A origem da pessoa jurídica está associada à necessidade de grupos se organizarem para alcançar objetivos que seriam inviáveis individualmente. Assim, formam-se entidades com autonomia, eficiência e cooperação, permitindo a realização de atividades específicas. Essas organizações são reconhecidas pela lei, possuindo personalidade jurídica própria e distinta das pessoas físicas que as compõem, o que lhes permite adquirir direitos e contrair obrigações de forma independente.
A pessoa jurídica caracteriza-se por ter patrimônio próprio, capacidade processual, existência contínua e personalidade jurídica, adquirida a partir de registro no órgão competente. No entanto, essa autonomia pode ser mitigada em casos de fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nesses cenários, ocorre a desconsideração da personalidade jurídica, permitindo que o patrimônio dos sócios ou administradores seja utilizado para satisfazer obrigações da empresa.
Além disso, o domicílio é um elemento fundamental no âmbito jurídico, servindo como referência para localização legal e administrativa de pessoas físicas e jurídicas. Ele determina o local onde direitos e obrigações são exercidos, facilitando a organização das relações jurídicas, fiscais e sociais. Assim, contribui para a segurança e eficiência nas interações legais e comerciais.
Nesta unidade, serão abordados diversos conceitos acerca de pessoa jurídica e suas modalidades, desconsideração da pessoa jurídica e domicílio e suas implicações. No mais, é importante ter noção que pessoa jurídica e pessoa natural são institutos diferentes, mas que de alguma forma, estão imbricados. Assim, enquanto a pessoa natural é o ser humano considerado como sujeito de direitos e deveres desde o nascimento com vida até a morte, a pessoa jurídica é uma entidade reconhecida pela lei como sujeito de direitos e deveres, composta por um grupo de pessoas ou uma massa patrimonial, com personalidade jurídica distinta de seus membros.
Serão tratados o conceito de pessoa jurídica, entre correntes doutrinárias e as modalidades de pessoas jurídicas. Deve-se atentar as subdivisões relativas às modalidades de pessoas jurídicas e suas particulariades. Por sua vez, será abordado a desconsideração da pessoa jurídica, um instituto que possui relevantes encadeamentos práticos. Nesse contexto, é importante ter em mente que desconsideração da pessoa jurídica não é a mesma coisa dadespersonificação, assim como é relevante considerar as etapas do processo de desconsideração da personalidade jurídica.
Por fim, a temática acerca do domicílio será trabalhada, e nessa conjuntura é necessário atenção quanto às especíes de domicílios, pois, configuram importantes critérios de fixação de competências. Ademais, a proteção ao domicílio emerge como um direito fundamental, inclusive previsto na nossa Constituição Federal, assegurando que o local onde uma pessoa reside seja um espaço inviolável, salvo em situações excepcionais previstas em lei.
Nos temas a seguir, você irá aprofundar seu conhecimento com o estudo dos assuntos específicos desta unidade e, ao final, deverá atingir os seguintes objetivos de aprendizagem:
- Definir o instituto da pessoa jurídica e seus elementos caracterizadores.
- Diferenciar as modalidades de pessoa jurídica de direito privado.
- Analisar os fundamentos da desconsideração da pessoa jurídica.
- Descrever o procedimento de desconsideração da pessoa jurídica e suas implicações práticas.
- Categorizar as espécies de domicílio.
Tema 1 - Pessoas Jurídicas
Diante da impossibilidade de realizar, por si só, determinadas atividades e finalidades que ultrapassam suas forças, a pessoa natural precisa se unir a outras pessoas, formando grupos com desiderato próprio. Portanto, da imprescindibilidade da cooperação de mais de uma pessoa para consecução de determinada atividade, surge a necessidade de atribuir personalidade jurídica a agrupamentos humanos. Dessa forma, a essas entidades o ordenamento jurídico empresta autonomia e independência, dotando-as de estrutura própria e personalidade jurídica distinta daqueles que a instituíram.
O ordenamento jurídico atribui a personalidade e, consequentemente, capacidade para titularizar relações jurídicas e praticar atos da vida civil a entes morais, surgidos a partir da vontade humana. Logo, diversamente das pessoas naturais que são fruto de um processo biológico, a pessoa jurídica nasce em decorrência de um processo social, acepção usada pelo direito brasileiro, italiano, alemão e espanhol. Assim, a definição de pessoa jurídica surge da necessidade de permitir que um grupo de pessoas pudesse participar do tráfego jurídico como uma unidade, desde que obedecidos determinados requisitos que autoriza a participação desses entes na vida jurídica, nas mesmas condições das pessoas naturais.
Nesse sentido, um dos pilares que integram o conceito de pessoa jurídica, é a sua autonomia. Assim, é relevante não confundir a pessoa jurídica com as pessoas que a integram, pois, tanto a pessoa jurídica quanto, cada um dos seus membros configura sujeitos de direito autônomos (identidade e patrimônio próprio distinto). Destarte, além da capacidade jurídica autônoma e de sua respectiva autonomia patrimonial, a existência das pessoas jurídicas está precisamente ligada ao reconhecimento estatal dessa realidade. Ademais, algumas espécies de pessoas jurídica necessitam de autorização estatal para o seu funcionamento, embora esta não seja a regra. Dado isso, adentraremos no conteúdo acerca da pessoa jurídica e demais implicações.
Classificação da Pessoa Jurídica
De maneira geral, como forma de limitar os riscos pessoais, em face de investimentos em atividades econômicas, a solução levantada pelo Estado foi de conceber uma estrutura jurídica voltada para normatização dessa situação, ou seja, o instituto da pessoa jurídica. Por meio desse instituto, originam-se as sociedades personificadas, melhor dizendo, surge um ente autônomo com direitos e obrigações próprias, que por sua vez, não se confunde com a pessoa de seus membros. A pessoa jurídica é um grupamento humano criado na forma da lei e dotado de personalidade jurídica própria, com capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações, com o escopo da realização de fins comuns. Nessa lógica, caracteriza-se essencialmente, pela atuação na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõe.
Para Maria Helena Diniz (2003), a pessoa jurídica consiste em uma verdadeira unidade de pessoas naturais ou patrimônios, visando à consecução de determinados fins, sendo reconhecida como sujeito de direitos e obrigações. Na intelecção, Carlos Roberto Gonçalves (2016) aduz que a pessoa jurídica é proveniente de um fenômeno histórico e social, configurando um conjunto de pessoas ou bens dotados de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei para realização de fins comuns.
No tocante à sua natureza jurídica, algumas teorias acerca da personalidade jurídica permeiam essa temática, visando aclarar essa conjuntura. As teorias negativistas consideravam uma massa de bens objeto de propriedade comum, inadmitindo a existência da pessoa jurídica. Assim, como negavam a existência concreta das pessoas jurídicas, visavam apenas a um dado patrimônio sem sujeito. O direito positivo se afasta dessa corrente, predominando assim, nos ordenamentos civis modernos, a tese afirmativista. As teorias afirmativistas/realistas/organicistas vislumbram a existência real de grupos sociais com interesses próprios, aos quais o ordenamento jurídico não poderia negar a qualidade de sujeito nas relações jurídicas, sendo divididas em:
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Teorias da Ficção
(Decorrem da ficção legal e da ficção doutrinária) A teoria da ficção, oriunda do Direito Romano e Canônico, prevaleceu até o século XIX, considerando apenas a pessoa natural como sujeito de direito, sendo a pessoa jurídica fictícia, existindo por determinação legal e nos limites estabelecidos. A pessoa jurídica constitui uma criação artificial da lei e só o homem poderia ser capaz de titularizar relações jurídicas. As críticas às teorias da ficção apontam que as pessoas jurídicas não são criadas pelo Estado, mas apenas confirmadas por ele.
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Teorias da realidade
- Teoria da realidade Objetiva ou Orgânica: do ponto de vista objetivo, a pessoa jurídica é tão pessoa quanto as pessoas naturais. Constitui uma realidade sociológica, um ser que nasce por imposição das forças sociais. Assim, a pessoa jurídica não é abstrata, mas formada de corpus (conjunto de bens) + animus (vontade do instituidor). A teoria é criticada, ao passo que os grupos sociais não têm vida própria, personalidade (sentido valor), que é característica do ser humano.
- Teoria da realidade Técnica: (Teoria mais aceita atualmente) Para essa teoria, a personificação dos grupos sociais é expediente de ordem técnica, configurando uma forma encontrada pelo direito para reconhecer a existência de grupos de indivíduos que se unem na busca de fins determinados. Embora sua personalidade seja conferida pelo direito, a pessoa jurídica possui existência real reconhecida pelo direito, logo, a pessoa jurídica possui existência real.
- Teoria da realidade das instituições jurídicas: Para essa teoria, assim como a personalidade humana deriva do direito, poderia também ser atribuída a certos entes (agrupamentos de pessoas/destinação de patrimônios) organizados para a realização de uma ideia socialmente útil, por meio da vontade das pessoas naturais que lhe deram vida. Desse modo, considera as pessoas jurídicas como organizações sociais destinadas a um serviço/ofício e, por isso, personificadas.
Figura 1: Teorias negativistas. Fonte: Elaborada pelo autor.
Importante ressaltar que as últimas teorias mencionadas, por explicar o fenômeno da pessoa jurídica com mais robustez, possuem maior aceitação na doutrina contemporânea. Entretanto, independente da teoria adotada, deve-se ter como base uma perspectiva civil-constitucional, pois, a pessoa jurídica deve primar pela observância do princípio da dignidade da pessoa humana. Por conseguinte, a pessoa jurídica deve desempenhar uma função social, já que no cumprimento de suas atividades finalísticas se depara como limitações condicionadas a razoabilidade/proporcionalidade, sob pena de incidir em abuso de direito, conforme dispõe o artigo 187 do Código Civil. Nesse contexto, a função social da empresa se destina, precipuamente, a distribuição de reponsabilidade à organização com o escopo de engajar as pessoas jurídicas na garantia de uma qualidade básica de vida digna, desse modo, constitui um princípio constitucional que orienta a atividade econômica.
Em seguimento, os elementos caracterizadores da pessoa jurídica podem ser elencados como autênticos requisitos para sua constituição. Dentre os elementos, destaca-se: a personalidade própria (diversa da personalidade dos seus instituidores), patrimônio próprio, estrutura organizacional própria, publicidade de sua constituição e licitude de seus propósitos.
O começo da existência da pessoa jurídica será conferido pelo ordenamento jurídico, diferentemente da pessoa natural (estrutura biopsicológica), que tem o início da sua personalidade com o nascimento com vida. Desse modo, se for pessoa jurídica de direito público, a personalidade será conferida pela norma jurídica (sentido amplo). Assim, a existência de pessoas jurídicas de direito público decorre da lei, ato administrativo, previsão constitucional ou mesmo tratados internacionais, todavia, são regidos por direito público e não pelo Código Civil.
Contudo, se for o caso de pessoa jurídica de direito privado, a personalidade manifesta-se com o respectivo registro do ato constitutivo no órgão competente. Logo, podemos mencionar os requisitos para sua constituição, como por exemplo, a vontade humana (intenção de criar uma entidade distinta da de seus membros), não podendo surgir de determinação estatal. Essa vontade criadora deve ser convergente (ligada por uma intenção comum), constituída por duas ou mais pessoas, materializando-se no ato de sua constituição, que deve ser escrito. No que diz respeito a observância das condições legais, o ato constitutivo é requisito formal exigido por lei e pode se materializar por meio de estatuto (quando se tratar de associações), contrato social (quando se tratar de sociedades simples/empresárias), escritura pública ou testamento (quando se tratar de fundações). Consequentemente, após o respectivo registro do ato constitutivo, inicia-se a existência legal da pessoa jurídica de direito privado, conforme aduz o art. 45 do CC. Antes do registro constitutivo, o grupamento de pessoas constituía meramente, sociedades de fato ou sociedades não personificadas. No entanto, o registro pode estar condicionado, em casos específicos, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, como é o caso de instituições financeiras e seguradoras.
Importante
Súmula 677 do STF - “Até que uma lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade”. Isso significa que, enquanto não houver uma legislação específica, o Ministério do Trabalho é responsável por manter o registro das entidades sindicais e garantir que não haja duplicidade.
Quanto aos objetivos da pessoa jurídica, o requisito da licitude é indispensável, visto que, objetivos considerados ilícitos ou nocivos são causa de extinção da mesma, conforme o art. 69 do CC. Assim, essa limitação ocorre como forma de assegurar a obediência dos negócios ao ordenamento jurídico, evitando-se finalidades reprováveis.
Repise-se que, diferentemente das pessoas naturais (registro civil possui natureza meramente declaratória), o registro constitutivo da pessoa jurídica possui natureza constitutiva, ou seja, é um instrumento de reconhecimento de sua personalidade jurídica, a qual inexistia antes. Salientando que, o processo de constituição da pessoa jurídica é um ato complexo, que se externa por meio de atos, que estão associados no sentido do reconhecimento de uma dada personalidade jurídica. Logo, a constituição da pessoa jurídica, ocorre por meio de duas fases: a formação do ato constitutivo (atos concretos praticados pelos sócios) e o registro público (inscrição do ato constitutivo no órgão competente).
Figura 2: Requisitos para a constituição da pessoa jurídica. Fonte: Elaborada pelo autor.
Importante
De acordo com o Código Civil, parágrafo único, art. 45 “Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro”. Trata-se de um prazo decadencial de 3 anos, contados da publicação de sua inscrição no registro, para anulação do ato constitutivo por defeito próprio. Contudo, se for o caso de dissolução ou cassação da autorização do funcionamento ou cancelamento do registro da pessoa jurídica, só ocorrerá depois de promovida sua liquidação, mediante averbação.
No que se refere à classificação da pessoa jurídica, pode-se subdividir em três grandes grupos, a partir dos seguintes critérios: nacionalidade, regime jurídico a que estão submetidas e estrutura interna. A nacionalidade, está relacionada a forma que a pessoa jurídica se vincula ao ordenamento jurídico que lhe conferiu personalidade, podendo ser classificada como nacional ou estrangeira. Se for nacional, será constituída sob leis brasileiras, caso seja estrangeira, deve obediência à lei nacional de sua origem, embora suas agencias ou filiais no Brasil estejam sob o império da lei nacional.
No que concerne ao regime jurídico, as pessoas jurídicas podem ser de direito público, nesse caso, contam com presença do Poder Público. Dessa forma, se subdividem em pessoas jurídicas de direito público externo (Estado estrangeiros, organismos internacionais, de maneira geral, todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público); ou pessoas jurídicas de direito público interno (Administração Direta-União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Administração Indireta- Autarquias, Fundações públicas e demais entes de caráter público criadas por lei). É importante destacar, conforme dispõe o art. 43 do CC, que “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
Ademais, as pessoas jurídicas podem ser de direito privado, adentrando, por conseguinte, em sua estrutura interna. Conforme o art. 44 do CC, são pessoas jurídicas de direito privado, as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. De início, é possível visualizar a existência de dois grupos bem definidos, cujas diferenças são bem nítidas: as corporações e as fundações.
As corporações caracterizam-se pela pessoalidade universitas personarum (conjunto de pessoas visando à realização de fins internos), podendo ser subdivididas em associações e sociedades. Por sua vez, as associações configuram a união de pessoas naturais sem fins econômicos, mas sim, morais, filantrópicos, culturais, religiosos, desportivos ou recreativos. No entanto, a lei não veda o lucro, ao passo que finalidade econômica não constitui a mesma coisa de lucratividade. Nesse caso, havendo eventual lucro, esta será revertido em prol da própria pessoa jurídica.
Destarte, quando expressamente autorizadas, as associações têm legitimidade para representar os seus associados em juízo ou fora dele. Assim, a lei legitima a associação a atar na defesa dos interesses dos seus associados, porém, essa liberdade associativa encontra limitações no art. 5. XVII, CF, que aduz ser plena a liberdade associativa para fins lícitos, sendo vedada a de caráter paramilitar. Por seu turno, as sociedades possuem finalidade econômica e visam ao lucro, o qual deve ser repartido entre os sócios.
Logo, podem ser simples ou empresárias. As sociedades simples são constituídas, em tese, por profissionais de uma mesma área ou por prestadores de serviços técnicos, que oferecem serviços de natureza intelectual, artística, científica, literária ou cooperativa. Em que pese, sua natureza não é essencialmente mercantil. Se, ocasionalmente venham a ser praticados atos próprios de empresários, não se descaracteriza a sua situação, tendo em vista que o que se considera é a sua principal atividade exercida. Ao passo que, as sociedades empresárias voltam-se para o exercício da atividade mercantil, relacionada com atividade econômica organizada para a produção/circulação de bens e serviços. Portanto, executam atividade própria de empresário, sujeita ao registro de empresas mercantis, bem como aos modelos societários previstos em lei.
Com relação as fundações –universitas bonorum –, o patrimônio é a sua razão de ser, dispondo de objetivos externos, estabelecidos pelo instituidor. Dessa forma, a fundação consiste em um patrimônio personificado, ou seja, é uma afetação patrimonial dotada de personalidade jurídica, por mera vontade se seu titular, mediante escritura pública ou testamento, destinando-se a uma finalidade específica. Logo, na fundação é vedado a distribuição de lucros, compondo-se de dois elementos basilares: o patrimônio e o fim específico. Por conseguinte, as fundações somente poderão constituir-se para fins de assistência social, cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, educação, saúde, segurança alimentar e nutricional, defesa, preservação e conservação do meio ambiente, pesquisa cientifica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, dentre outras possibilidades, constantes no art. 62, parágrafo único, I ao IX, do CC.
Esse rol possibilidades elencadas pelo Código Civil, tem como escopo limitar a instituição de fundações que visem fins menos nobres ou fúteis. Quanto a constituição de uma fundação, consiste em um ato formal que passa por quatro fases, sendo: a ata de doação ou instituição (destinação dos bens, com indicação do fim específico), elaboração dos estatutos (pelo próprio instituidor ou fiduciária), aprovação dos estatutos (pelo MP) e o registro (conferindo existência legal, registro civil das pessoas jurídicas). Por fim, as fundações extinguem-se em três casos: quando se torna ilícita, impossível ou inútil a sua finalidade, quando se vencer o prazo de sua existência, caso previsto no estatuto e quando se tornar impossível sua manutenção, nesse caso, o patrimônio remanescente será incorporado a outra fundação ou terá destino previsto por seu instituidor no ato constitutivo.
Importante
A lei 10.825/2003 alterou o Código Civil, passando a considerar as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado, que antes eram consideradas como espécies de associações. A utilidade central dessa categorização é reforçar a ideia de liberdade de organização e funcionamento, contudo, não se afasta o controle da legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus respectivos estatutos.
Em síntese, a personalidade jurídica é um instrumento dado à pessoa jurídica para que alcance seus fins, independentemente da sua natureza jurídica. Entre as consequências da personificação, podemos destacar a capacidade contratual (possibilidade de praticar atos jurídicos válidos), a capacidade processual (capacidade de figurar como parte em um processo judicial), a existência distinta e independente da dos seus respectivos sócios e a existência de um patrimônio próprio que responderá pelas obrigações da sociedade.
Importante
O domicílio da pessoa jurídica será o lugar onde funcionaram as respectivas diretorias e administrações ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. Desse modo, ações judiciais contra uma pessoa jurídica de direito privado, a demanda deve ser feita no local onde o ato ilícito ocorreu ou onde a empresa tem uma agência ou estabelecimento.
Súmula 363 do STF - "A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato”.
Responsabilidade Civil e Penal da Pessoa Jurídica
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas refere-se à obrigação de reparar danos causados a terceiros, seja por atos ilícitos, contratos ou outras causas legais. Assim, ocorrendo dano, nasce o dever de reparar integralmente o prejuízo sofrido pela vítima. A responsabilidade pessoal e integral das pessoas jurídicas pelos seus atos, resulta de sua autonomia e independência. Nesse sentido, a própria Constituição prevê que a pessoa jurídica responderá por seus atos, sem desconsiderar a responsabilidade individual de seus dirigentes, conforme o art. 173, § 5º “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.
A responsabilidade da pessoa jurídica, também denominada de responsabilidade empresarial, pode ocorrer da violação de obrigações previstas em negócios jurídicos (responsabilidade contratual), ou da infringência de deveres legais ou sociais, constantes nos princípios gerais do direito (responsabilidade extracontratual/aquiliana), decorrendo o princípio da boa-fé objetiva. Nessa perspectiva, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade das pessoas jurídicas pelas obrigações assumidas por quem está regularmente investido nos poderes de administração e representação. Contudo, controvérsias surgem quando a prática de atos em nome da sociedade extrapola os limites da representação, adotando-se o princípio da boa-fé. Desse modo, responsabiliza-se a sociedade mesmo não se tratando de ato próprio.
Por sua vez, cogita-se inclusive, a responsabilidade empresarial decorrente da teoria da aparência. Nesse caso, a pessoa jurídica responde pelos atos que seus integrantes ou prepostos praticam, aparentemente, em seu nome, salvo se o prejudicado conhecia tal situação, pois o ordenamento jurídico não admite que a pessoa se beneficie de sua própria torpeza.
Com relação à pessoa jurídica de direito público, a responsabilidade do Estado e de suas entidades, segundo o art. 37, § 6° da CF, é objetiva, com base na teoria do risco administrativo. Assim sendo, não é necessário perquirir o elemento anímico (culpa), ou seja, não é imperioso o prejudicado provar a culpa (em sentido amplo) do agente público que causou o dano, bastando provar a conduta, o dano e o nexo causal entre um e outro. Acaso, ainda que seja lícita a conduta estatal, poderá haver responsabilização se houver danos a terceiros, por conta do acolhimento da teoria do risco.
A responsabilidade estatal objetiva foi ampliada para também alcançar as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, por meio do regime de concessão e permissão de serviço público, atingindo, portanto, todo e qualquer particular que esteja no exercício de atribuição pública. Nesse sentido, frisa-se a possibilidade de a Administração Pública exercer o direito de regresso contra o agente causador do dano, desde que tenha agido com culpa ou dolo, ressarcindo-se do prejuízo sofrido.
Assim, a responsabilidade do agente, ao contrário da estatal, é subjetiva, devendo o Poder Público, necessariamente, comprovar a culpa do seu servidor para que possa vir a ser reembolsado pela quantia dispendida. Nessa lógica, aduz o art. 43 do CC “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
Todavia, de maneira oposta se dá a responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito privado, sendo, de maneira geral, uma responsabilidade subjetiva. Nesse caso, é necessário comprovar, além da conduta da empresa, o dano sofrido, o nexo de causalidade e a culpa de seu agente (sócio ou preposto). Portando, toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado responde civilmente pelos seus atos, tendo ou não finalidade lucrativa (caso das associações e fundações), de modo que a vítima tenha reparação em face do seu prejuízo. Essa responsabilidade incide sobre a integralidade do seu patrimônio, afastados, em regra, os bens pertencentes aos sócios.
No tocante a reponsabilidade penal, observa-se uma tendência de rompimento com o tradicional princípio societas delinquere non potest, que aduz que pessoa jurídica não poderia praticar delitos, dada a impossibilidade de se lhe reconhecer a atuação dolosa. Este princípio tem origem no direito romano e reflete a ideia de que apenas seres humanos possuem a capacidade de intenção (dolo) ou negligência (culpa), elementos essenciais para a configuração de um crime. Entretanto, com a relativização desse princípio, especialmente no contexto moderno, onde as atividades empresariais e corporativas desempenham um papel central na economia e na sociedade, diversos países passaram a admitir a responsabilidade penal de pessoas jurídicas em determinados casos, como nos crimes ambientais e de corrupção.
Importante
O Plenário do Supremo Tribunal Federal consagrou que, segundo o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição da República, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva em relação a usuários e não usuários do serviço, desde que haja nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro.
O Superior Tribunal de Justiça entendia que a persecução penal de pessoas jurídicas só seria possível se estivesse caracterizada a ação humana individual. Todavia, diante da dificuldade concreta em identificar o responsável, levando à impossibilidade imposição de sanção por delitos ambientais, o STF passou a reconhecer a responsabilidade penal isolada da pessoa jurídica em crime ambientais, não sendo mais necessária a demonstração de coautoria da pessoa física.
- Sumula 479 do STJ - “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
- Sumula 227 do STJ - “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral, e os danos material, moral e estético são independentes, podendo ser pleiteados judicialmente em sede de cumulação de pedidos”.
Portanto, neste tema, estudamos aspectos importantes acerca da pessoa jurídica. Logo, podemos conceituar pessoa jurídica como um grupamento humano criado na forma da lei e dotado de personalidade jurídica própria, com capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações, com o escopo da realização de fins comuns. Nessa lógica, caracteriza-se essencialmente, pela atuação na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõe.
Por conseguinte, as pessoas jurídicas são entidades que a lei reconhece como sujeitos de direitos e deveres. Elas se dividem em duas grandes categorias: pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado. As pessoas jurídicas de direito público, por sua vez, se subdividem em: Administração Direta: União, Estados e Distrito Federal, Município e Administração Indireta: Autarquias (entidades autônomas que executam atividades típicas da administração pública), Fundações Públicas (entidades instituídas pelo poder público para executar atividades de interesse público, sem caráter econômico), Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (empresas criadas pelo poder público, mas que operam em regime de direito privado, embora com finalidades públicas).
Já, as pessoas jurídicas de direito privado consistem em entidades criadas por iniciativa privada, com fins lucrativos ou não, subdividindo-se em: Associações (instituições formadas pela união de pessoas com fins não lucrativos e objetivos comuns), Fundações Privadas (criadas por uma pessoa física ou jurídica, destinadas à realização de atividades de interesse público com patrimônio vinculado a esses fins), Sociedades Empresariais (entidades com fins lucrativos, destinadas à produção e circulação de bens e serviços), Organizações Religiosas e Partidos Políticos.
A responsabilidade das pessoas jurídicas é um conceito amplo que pode ser dividido em vários tipos, dependendo do contexto e da natureza das obrigações. A responsabilidade civil pode ser objetiva (quando a responsabilidade independe da comprovação de culpa, como nos casos de danos ambientais. Basta provar o dano e o nexo causal) ou subjetiva (quando é necessária a comprovação de culpa ou dolo da pessoa jurídica ou de seus prepostos). Nessa perspectiva, também é válido ressaltar que as pessoas jurídicas também podem ser responsabilizadas penalmente, como os ambientais e de corrupção, conforme estabelecido pela legislação brasileira.
Tema 2 - Desconsideração da Pessoa Jurídica
A atribuição da personalidade jurídica às empresas permite uma separação patrimonial entre os bens do ente coletivo e os individuais de cada sócio. Desse modo, o manto protetor da personalização confere proteção do patrimônio dos sócios, respondendo a pessoa jurídica pelas suas dívidas e obrigações com seu próprio patrimônio. Não obstante, diante da utilização inadequada da pessoa jurídica, desvinculando-se da sua finalidade, pela prática de atos ilícitos ou abusos, jurisprudência e doutrina começaram a perceber a necessidade de afastar o manto protetivo para atingir o patrimônio pessoal dos sócios. Dessa forma, origina-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou disregard of the legal enitity.
Assim, por intermédio da desconsideração, constatado o desvirtuamento da finalidade, fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial entre empresa e sócios, o magistrado decreta a suspensão temporária da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, permitindo que o patrimônio dos sócios satisfaça diretamente as obrigações que não puderem ser atendidas pelo patrimônio da empresa.
Com efeito, a teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica não se prestar a aniquilar o princípio da separação patrimonial entre sociedade e seus sócios. Logo, serve como mola propulsora da funcionalização da pessoa jurídica. Desse modo, é, sobretudo uma forma de adequar a pessoa jurídica aos fins para os quais foi criada, garantindo suas atividades e coibindo o uso indevido e propósitos ilegítimos. Destarte, que não ocorre a extinção da pessoa jurídica, mas seu aperfeiçoamento, ao passo que responsabiliza o sócio que abusou (por fraude, confusão patrimonial) da própria personalidade que lhe foi reconhecida pelo ordenamento jurídico.
Portanto, com a desconsideração, a pessoa jurídica não entra em processo de liquidação nem é extinta. Os efeitos da desconsideração são meramente patrimoniais e sempre relativos a obrigações determinadas, fundadas, por exemplo, em contrato ou um ilícito civil.
Efeitos da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Frise-se que a desconsideração não se confunde com a despersonificação. A desconsideração observa o princípio da continuidade da empresa, pois afasta episodicamente em função de fraude, abuso ou desvio de finalidade, tendendo a admitir a mantença posterior de suas atividades, após o ressarcimento dos prejuízos, desde que apresente condições jurídicas e estruturais. Assim, resta evidente que a empresa é promotora de desenvolvimento de uma nação, porquanto movimenta a economia e gera empregos (função social). O afastamento da personalidade deve ser temporário e tópico, perdurando apenas no caso concreto, até que os credores se satisfaçam no patrimônio dos sócios infratores, verdadeiros responsáveis pelos ilícitos praticados.
Diametralmente oposta, a despersonalização traduz a própria extinção da personalidade, cancelando o seu registro. Desse modo, em situações de excepcional gravidade, poderá justificar-se a despersonalização da pessoa jurídica, entendido tal fenômeno como extinção compulsória, pela via judicial da personalidade jurídica.
Importante
A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo pelo qual, em casos de abuso, fraude ou confusão patrimonial, a separação entre a pessoa jurídica e seus sócios ou administradores é temporariamente ignorada. Isso permite que os credores da empresa acessem o patrimônio pessoal dos sócios para satisfazer as dívidas da entidade.
- Exemplo prático - A empresa XYZ Ltda. acumula dívidas com fornecedores e, ao mesmo tempo, os sócios transferem ativos da empresa para suas contas pessoais. Um dos credores, percebendo a fraude, pede a desconsideração da personalidade jurídica em um processo judicial. O juiz acata o pedido, permitindo que os bens pessoais dos sócios sejam usados para pagar as dívidas da empresa XYZ Ltda.
A despersonalização da pessoa jurídica, apesar de não ser um termo técnico amplamente utilizado no direito, pode ser entendida como a perda da personalidade jurídica da entidade, resultando na sua dissolução e extinção legal.
- Exemplo prático - Os membros da Associação ABC, uma entidade sem fins lucrativos, decidem encerrar suas atividades após uma assembleia geral. Após a liquidação de todos os ativos e o pagamento das dívidas, a associação é formalmente extinta, resultando na despersonalização da pessoa jurídica.
Desconsideração da Personalidade Jurídica: Objetivo: Responsabilizar pessoalmente os sócios ou administradores pelas obrigações da empresa. Aplicação: Em casos de abuso, fraude ou confusão patrimonial. Efeito: Temporário, não extingue a pessoa jurídica. Despersonalização da Pessoa Jurídica: Objetivo: Extinguir a personalidade jurídica da entidade, encerrando sua existência legal. Aplicação: Em casos de dissolução voluntária, judicial ou administrativa. Efeito: Permanente, a entidade deixa de existir legalmente. |
Quadro 1: Resumo das diferenças entre ambos os institutos. Fonte: Elaborado pelo autor.
Por conseguinte, o Superior Tribunal de Justiça encara a teoria da desconsideração da personalidade jurídica sob o viés de duas vertentes, a teoria maior/forte e a teoria menor/fraca. Assim sendo, a teoria maior/forte configura a teoria adotada pelo Código Civil, baseia-se em requisitos rigorosos, como a confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Portanto, exige prova do abuso (seja por desvio de finalidade ou confusão patrimonial), não se contentando com a mera insolvência da pessoa jurídica. Já a teoria menor/fraca é adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, bastando nesse caso, a simples insolvência para autorizar a desconsideração.
À vista disso, é importante destacar as hipóteses que autorizam a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. No Brasil, esse mecanismo é regulado pelo art. 50 do Código Civil e pela Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), que especificam as condições para sua aplicação.
Nessas situações, o patrimônio dos sócios ou administradores pode ser atingido diretamente, respondendo pelas dívidas ou obrigações originalmente atribuídas à empresa. A desconsideração visa impedir que a personalidade jurídica seja utilizada como um “escudo” para práticas ilegais ou abusivas. Por conseguinte, seguem algumas situações comuns no qual a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada:
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Abuso de personalidade jurídica
Quando há confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e dos sócios ou administradores, ou quando a empresa é utilizada para fraudar credores ou praticar atos ilícitos.
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Desvio de finalidade
Se a empresa é utilizada para finalidades diferentes das previstas em seu objeto social, principalmente com o objetivo de prejudicar terceiros ou escapar de obrigações legais.
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Fraude contra credores
Quando a empresa é usada para fraudar credores, como na criação de outras empresas para desviar patrimônio ou ocultar bens que deveriam ser usados para quitar dívidas.
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Insolvência simulada
Quando a empresa é deliberadamente conduzida à insolvência ou tem seus recursos esvaziados para evitar o pagamento de dívidas.
Nesse contexto, se faz mister destacar o artigo 50 do Código Civil, que aduz “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. É importante frisar que, para que haja a desconsideração, é necessário que os sócios ou administradores tenham sido beneficiados pelo abuso, direta ou indiretamente.
O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica é utilizada para fins diferentes daqueles para os quais foi criada, beneficiando indevidamente os sócios ou terceiros em detrimento dos credores ou da finalidade original da empresa. Logo, tem como características a utilização da empresa para atividades ilícitas ou não autorizadas, que não estão de acordo com o objetivo social descrito em seu contrato social ou estatuto ou a utilização da pessoa jurídica como instrumento para cometer fraudes ou enganar credores.
Exemplo
Exemplo prático - A empresa XPEX foi criada para prestar serviços de consultoria. No entanto, seus sócios a utilizam para realizar transações pessoais, como compra de bens de luxo para uso privado, desviando-se completamente de sua finalidade original. Em um litígio, um credor pode pedir a desconsideração da personalidade jurídica com base no desvio de finalidade, para que os sócios sejam responsabilizados pessoalmente pelas dívidas.
A confusão patrimonial ocorre quando não há uma separação clara entre os bens da pessoa jurídica e os bens pessoais dos sócios ou administradores, levando a uma mistura de patrimônios que prejudica a distinção entre as duas esferas. Logo, tem como características Uso indiscriminado de bens pessoais e empresariais sem distinção e a transferência frequente e não documentada de recursos entre a pessoa jurídica e seus sócios, dificultando a identificação de quais bens pertencem a quem.
Exemplo
Exemplo prático - A empresa MALCON é gerida por seus sócios de maneira que os bens pessoais e os bens da empresa são usados indistintamente. Um dos sócios usa o carro da empresa para fins exclusivamente pessoais e paga suas contas pessoais com o dinheiro da empresa. Em caso de disputa legal, os credores podem pedir a desconsideração da personalidade jurídica com base na confusão patrimonial, visando acessar o patrimônio pessoal dos sócios para saldar as dívidas da empresa.
A desconsideração da personalidade jurídica é um recurso legal importante que visa garantir que a justiça prevaleça em situações em que há abuso, fraude ou confusão patrimonial envolvendo uma pessoa jurídica. Dessa forma, quando a desconsideração é aplicada, os sócios ou administradores da empresa podem ser responsabilizados diretamente pelas obrigações da pessoa jurídica. Isso significa que o patrimônio pessoal deles pode ser utilizado para satisfazer dívidas e responsabilidades que originalmente seriam de responsabilidade da empresa.
Dentre outros efeitos advindos da desconsideração da personalidade jurídica, evidencia-se a penetração no patrimônio pessoal (efeito financeiro), tal medida permite que os credores da empresa acessem os bens pessoais dos sócios ou administradores para satisfazer as dívidas pendentes. Isso inclui contas bancárias, imóveis, veículos e outros ativos pessoais. Em relação a prevenção em face de fraudes (efeito preventivo), a simples possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica desincentiva sócios e administradores a cometerem fraudes e abusos, pois sabem que poderão ser pessoalmente responsabilizados por tais ações.
A proteção aos credores (efeito protetivo), busca garantir que os mesmos possam ser ressarcidos mesmo quando a pessoa jurídica foi utilizada de maneira ilícita para ocultar bens ou evitar o pagamento de dívidas. Isso assegura que os direitos dos credores sejam preservados. Por fim, a desconsideração da personalidade jurídica possui efeitos comportamentais e morais, ao passo que sócios/administradores são incentivados a manter uma separação clara entre os bens pessoais e os bens da empresa, bem como a agir dentro da legalidade e garante que fraudes e abusos não fiquem impunes, promovendo justiça e equidade nas relações jurídicas.
Por fim, cumpre as modalidades de desconsideração da personalidade jurídica que, se desdobram em duas categorias; a desconsideração tradicional/clássica e a desconsideração inversa. A desconsideração tradicional ou clássica é o tipo mais comum e ocorre quando, em razão de abuso da personalidade jurídica, o patrimônio dos sócios ou administradores da empresa é atingido para responder pelas dívidas da pessoa jurídica. Dentre as situações que autorizam essa modalidade, frisa-se a confusão patrimonial (quando os bens da empresa e dos sócios estão misturados de tal forma que é difícil separá-los) e o desvio de finalidade (quando a empresa é usada com o objetivo de fraudar terceiros ou cometer abusos de direito).
Não obstante, a desconsideração inversa ocorre quando o Judiciário ignora a separação entre os bens pessoais dos sócios e os da pessoa jurídica, para responsabilizar a empresa pelas obrigações pessoais dos sócios ou administradores. Portanto, essa medida é utilizada quando os sócios transferem bens pessoais para o nome da pessoa jurídica com a intenção de evitar o pagamento de suas dívidas pessoais, ocultando assim seus bens do alcance dos credores pessoais. Essa modalidade tem aplicação em casos de fraude contra credores pessoais (quando os sócios utilizam a pessoa jurídica para esconder bens pessoais e, assim, evitar que esses bens sejam utilizados para saldar dívidas pessoais) e desvio de patrimônio (transferência de bens pessoais para a pessoa jurídica para evitar responsabilidade em obrigações pessoais).
Diferença entre Desconsideração Tradicional e Inversa Desconsideração Tradicional: Objetivo: Responsabilizar os sócios pelas obrigações da empresa. Aplicação: Quando há abuso, fraude ou confusão patrimonial por parte dos sócios. Desconsideração Inversa: Objetivo: Responsabilizar a empresa pelas obrigações pessoais dos sócios. Aplicação: Quando os sócios utilizam a pessoa jurídica para ocultar bens pessoais e evitar responsabilidades. |
Quadro 2: Diferença entre Desconsideração Tradicional e Inversa. Fonte: Elaborado pelo autor.
Extinção da Pessoa Jurídica
A existência legal das pessoas jurídicas de direito privado resulta do registro de seu ato constitutivo no órgão competente, mas seu término pode decorrer de diversas causas, especificadas nos artigos 54, VI, segunda parte, 69, 1.028, II, e 1.033 e seguintes do Código Civil. Por sua vez, as pessoas jurídicas de direito público, são criadas ou sua autorização decorre da lei e, somente por força da própria lei são extintas.
Assim sendo, a extinção da pessoa jurídica pode ser convencional, legal, administrativa ou judicial. A extinção convencional ocorre pela vontade (deliberação) de seus membros, conforme quórum previsto nos estatutos ou na lei. O artigo 1.033 do CC, prevê que a sociedade se dissolve, na sociedade por prazo indeterminado, por deliberação da maioria absoluta ou na sociedade de prazo determinado, quando há consenso unanime dos sócios.
A extinção legal, ladeada nos artigos 1.028, II,1.033 e 1.034 ocorre por meio da lei, quando esta determina os motivos como a decretação da falência, a morte dos sócios ou o desparecimento do capital nas sociedades com fins lucrativos. Todavia, nas associações o capital não constitui requisito de sua existência, logo, perdura mesmo após o desaparecimento do capital. No tocante a extinção administrativa, algumas pessoas jurídicas dependem de autorização do poder público. Assim, essa autorização será cassada (art. 1.033), seja por infração a disposição de ordem pública ou em casos de prática de atos contrários aos fins declarados no estatuto, ou se tornar ilícita, impossível ou inútil sua finalidade.
Por fim a extinção judicial configura-se em quaisquer dos casos de dissolução previstos em lei ou no estatuto, especialmente quando a entidade se desvia dos fins para os quais constituiu, mas ainda assim, continua a existir, nasce o direito de um dos sócios ingressar em juízo requerendo a extinção. Desse modo, o artigo 1.035 disciplina que a sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer um dos sócios quando anulada a sua constituição ou exaurido o fim social ou verificadas a sua inexequibilidade.
Nessa lógica, o processo de extinção da pessoa jurídica é operacionalizado por fases: dissolução, liquidação e extinção. A dissolução constitui a fase em que se dissolve a pessoa jurídica cm o pagamento das dívidas e partilha do patrimônio remanescente entre os sócios. Nessa fase, se por acaso, inexistir previsão quanto ao destino dos bens no ato constitutivo (contrato social/estatuto), a divisão e a partilha serão feitas de acordo com os princípios que regem a partilha dos bens da herança jacente.
A liquidação por sua vez, segundo o artigo 51 do CC, nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para efeitos de liquidação, até que processo se conclua. Algumas pessoas jurídicas, para preservação do interesse público, não se submetem à falência, devendo passar pelo processo de liquidação extrajudicial perante a instituição reguladora, como exemplo, as operadoras de planos de saúde e os bancos. Assim, a liquidação extrajudicial é um processo legal pelo qual uma empresa é encerrada de forma ordenada e controlada, com o objetivo de proteger os interesses dos credores e acionistas.
O processo de liquidação extrajudicial se inicia com a decretação pelo órgão fiscalizador competente, como o Banco Central, quando são identificadas anormalidades nos negócios da instituição. Na sequência o liquidante assume a gestão da empresa, realiza um levantamento dos ativos e passivos, e toma as medidas necessárias para liquidar as obrigações da empresa. Nesse percurso, os ativos da empresa são vendidos e os recursos obtidos são utilizados para pagar os credores, seguindo uma ordem de prioridade estabelecida por lei. Por fim, após a liquidação de todas as obrigações, o registro da empresa é cancelado e ela deixa de existir legalmente.
Logo, concluída a liquidação, é necessário formalizar a extinção da pessoa jurídica, cancelando o registro na Junta Comercial ou no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e baixando o CNPJ na Receita Federal, configurando de fato a extinção.
Figura 3: Processo de liquidação extrajudicial. Fonte: Elaborada pelo autor.
O cancelamento do registro da pessoa jurídica produzirá efeitos ex nunc (não retroage), evitando assim, causar prejuízos a interesses de terceiros que com ela negociaram. Nesse sentido, é importante salientar que o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica no registro não se promove com a dissolução, mas sim depois de encerrada a liquidação, nos termos do artigo 51, § 3° do CC.
Além dessas hipóteses, é intuitivo que o falecimento do sócio é causa extintiva das empresas individuais, contudo não seja causa das sociedades. Nesse caso, os herdeiros terão direito ao recebimento das cotas ou ações correspondentes, podendo dar continuidade à empresa, salvo disposição expressa em sentido contrário. Destarte, a última causa de extinção da pessoa jurídica pode ser destacada como a violação da função social da empresa.
De antemão, a função social da empresa é um princípio que vai além da busca pelo lucro e envolve a responsabilidade da empresa em contribuir para o bem-estar da sociedade e o desenvolvimento sustentável. Esse conceito implica que as empresas devem atuar de maneira ética e responsável, considerando os impactos de suas atividades sobre a comunidade, o meio ambiente e os direitos humanos. Portanto, a pessoa jurídica possui uma função na sociedade e caracterizada a nocividade, se sua finalidade estiver voltada para fins ilícitos ou sua existência se tornar contrária a ordem pública, haverá violação da sua função social.
Neste tema, estudamos o conceito de desconsideração da personalidade jurídica, bem como o seus efeitos práticos. De forma sintética, a desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo legal que permite que as obrigações de uma empresa sejam estendidas aos seus sócios, administradores ou representantes pessoais em casos de abuso ou fraude. Esse instituto tem aplicação quando se verifica casos de fraude (quando a personalidade jurídica é utilizada para cometer fraudes ou enganar credores), abuso de direito (quando há abuso da personalidade jurídica para evadir responsabilidades ou causar danos a terceiros), confusão patrimonial (quando há mistura dos bens da pessoa jurídica com os bens pessoais dos sócios ou administradores, dificultando a distinção entre eles). Portanto constitui um mecanismo essencial para evitar abusos e fraudes que possam surgir da utilização indevida da personalidade jurídica, protegendo os direitos dos credores e garantindo a responsabilidade adequada dos envolvidos
Entre os principais efeitos resultantes da desconsideração da personalidade jurídica, destaca-se a responsabilização pessoal, pois os sócios ou administradores podem ser responsabilizados pessoalmente pelas dívidas e obrigações da empresa. Isso significa que os credores podem buscar a satisfação de seus créditos diretamente no patrimônio pessoal dos envolvidos. Assim, a desconsideração também visa proteger os credores, garantindo que eles possam recuperar seus créditos mesmo quando a empresa utiliza sua personalidade jurídica de forma abusiva para evitar o pagamento de dívidas. Ademais, esse mecanismo atua como um dissuasor contra fraudes e abusos, pois os sócios e administradores sabem que podem ser responsabilizados pessoalmente se utilizarem a empresa para fins ilícitos.
Em síntese, a dissolução de uma pessoa jurídica é o processo inicial pelo qual uma entidade decide encerrar suas atividades. Esse processo pode ser voluntário, quando decidido pelos sócios ou associados, ou compulsório, quando determinado por uma autoridade judicial. A dissolução é seguida pela liquidação, onde são apurados os ativos e passivos da entidade, e, finalmente, pela extinção, que formaliza o encerramento da pessoa jurídica.
Tema 3 - Domicílio e suas Implicações Legais
Destarte, ao se abordar a questão do domicílio e suas implicações, é necessário voltar a temática da pessoa natural. Logo, os sujeitos que integram diversas relações devem ser individualizados, ou seja, identificados como titulares de direitos e deveres na ordem civil, com o escopo de externar uma maior segurança frente aos negócios e a própria convivência social. Nesse sentido, os principais elementos individualizadores da pessoa natural são o nome, o estado e o domicílio. O Código Civil, em seu artigo 70, aduz que “O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo”.
A seara jurídica, interessa fixar um local onde, presumivelmente, as pessoas serão encontradas, denominado de domicílio ou foro. Logo, esse local consiste na sede jurídica da pessoa, onde se presume sua presença, praticando atos da vida civil. A palavra domicílio tem raiz na palavra domus, que significa casa. Os romanos, por sua vez, entendiam que domicílio era o lugar onde a pessoa se estabelecia permanentemente, inclusive, lugar onde se cultuavam os antepassados (eram enterrados na propriedade familiar), resultando assim, a noção incipiente do bem de família. Por conseguinte, os franceses estabeleceram uma relação entre o indivíduo e a casa, intricando esse entendimento.
De antemão, é necessário distinguir três conceitos, que por vezes, confundem e geram imprecisões. Então, morada se refere ao lugar onde o indivíduo se estabelece temporariamente (notadamente passageiro). Já, residência diz respeito ao local em que o indivíduo se estabelece habitualmente, podendo ter, inclusive, várias residências. Esse é o caso, por exemplo, de uma pessoa que reside na cidade durante a semana, mas passa os finais de semana, de forma habitual, em sua casa de campo, constituindo duas residências.
Domicílio, por sua vez, é o lugar onde o indivíduo estabelece residência com ânimo definitivo, transformando-o no centro de sua vida jurídica. Desse modo, fica evidente que o conceito de domicílio abrange o de residência, pois, há a exigência da habitualidade, configurando um elemento objetivo. Além disso, é indispensável a existência de ânimo definitivo de configurar o lugar como centro de sua vida jurídica, denotando o elemento subjetivo. Assim, domicílio é a soma da residência (quid facti) com a qualificação legal (quid juris), por exemplo, o indivíduo que passa os finais de semana no sítio, mas tem sua vida jurídica na residência da cidade.
Portanto, para o conceito legal de domicílio estar em consonância com sua real acepção, é imprescindível que o elemento objetivo e o elemento subjetivo estejam presentes. O ânimo definitivo, não se refere apenas ao estado de espírito de permanecer em determinado lugar, assim como uma demonstração dessa intenção de permanência, que pode se dar por meio de provas concretas, como compras, pagamento de energia elétrica, despesas de condomínio, dentre outras.
Figura 4: Domicílio e suas implicações legais. Fonte: Elaborada pelo autor.
Importante
Domicílio ➔ 2 elementos (Lugar + Ânimo) com concentração de atividades.
Residência ➔ 1 elemento (Lugar) com habitualidade.
Morada ➔ 1 elemento (Lugar) de modo temporário.
Espécies de Domicílios e sua Proteção
De modo geral, domicílio trata-se de um vínculo jurídico qualificado e correlacionado com o local em que fixa residência habitual, ao passo que abrange as relações sociais e jurídicas de uma pessoa, sendo reconhecido como o lugar onde pode ser encontrado para responder suas obrigações.
Nesse desiderato, o domicílio possui grande relevância na vida seara jurídica contando com diversas regras que tratam dessa temática em questão. Em síntese, o código civil estabelece que o domicílio do casal deve ser escolhido por ambos (igualdade direitos e obrigações), sem que exista quebra da coabitação art.1569, a sucessão deve ser aberta no local do último domicílio do falecido art.1785, no tocante às obrigações, o pagamento deve ser realizado no domicílio do devedor, salvo se as partes tiverem convencionado de maneira distinta ou se resultar da lei, natureza da obrigação ou circunstâncias art. 327, dentre outros diplomas que versam sobre esse tema.
Em relação à pluralidade de domicílios, o art. 71 do CC, aduz que “se a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas”. Dessa forma, o referido artigo visou enaltecer o elemento objetivo (residência), pois, estabelece a ideia de subdividir por períodos longos o interesse de permanecer em dado local. No Brasil, se admite a possibilidade de domicílio múltiplo, considerando-se domiciliada a pessoa onde for encontrada. No caso de mudança de domicílio, deve haver a mudança de residência ligado ao ânimo de mudança (intenção manifesta de mudar). No entanto, a perda do domicílio não se dá apenas com a mudança, constituindo hipóteses também, a perda por determinação legal (domicílio legal) e vontade/eleição das partes (domicílio voluntário/eleição).
Importante
Súmula 483 do STF - “É dispensável a prova da necessidade, na retomada do prédio situado em localidade para onde o proprietário pretende transferir residência, salvo se mantiver, também, a anterior, quando dita prova será exigida”.
No que se refere às espécies de domicílios, é importante tomar nota das distinções. O domicílio de origem constitui o primeiro domicílio de uma pessoa, geralmente coincide com o domicílio dos pais, visto que o incapaz recebe, legalmente, o domicílio de seus representantes. O domicílio comum/convencional/voluntário, concerne a soma da residência com o ânimo de que seja o local principal de suas atividades (centro de referência jurídica), conforme aduz o artigo 70 do CC. Em resumo, é formado pelo elemento material (residência) + elemento anímico/psicológico (ânimo de permanência).
Já o domicílio profissional, constitui uma modalidade de domicílio restrita aos aspectos da vida profissional da pessoa física. Nesse sentido, se resume ao lugar onde a pessoa exerce sua profissão, conforme dispõe o artigo 72 do CC “É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida”. Ressaltando-se que o domicílio profissional não afasta o domicílio geral.
O domicílio aparente/ocasional se baseia na teoria desenvolvida por Henri de Pages, com base na ficção legal em face de pessoas que não possuem residência habitual. Desse modo, existem pessoas que mantêm uma vida nômade, sem paradeiro fixo, como artistas de circo, ciganos, não conseguindo fixar-se em um local determinado, pela própria natureza de sua existência. Portanto, nesses casos, o elemento subjetivo que compõe a definição de domicílio, ou seja, o ânimo de permanecer em determinado lugar. O artigo 73 do CC dispõe que “Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada”. De maneira simplista o referido dispositivo busca abranger a pessoa natural que não possui qualquer domicílio, ainda que profissional. Seguindo a mesma lógica, o artigo 46, § 2° do Código de Processo Civil permite que o demandado seja acionado no local onde for encontrado ou no foro do demandante, quando for incerto o desconhecido o seu domicílio.
Quanto ao domicílio das pessoas jurídicas, o código civil art. 75, trata de regras gerais no tocante às pessoas jurídicas de direito público. Assim sendo, no caso da União o domicílio será o Distrito Federal, aos territórios e Estados o domicílio será as respectivas capitais e quanto aos municípios, será o local onde funcione a administração municipal.
Demais pessoas jurídicas, terão domicílio onde funcionarem suas respectivas diretorias e administrações, salvo quando não tiverem elegido domicílio especial em seus respectivos estatutos ou atas de constituição. Caso, a pessoa jurídica possua diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um desses lugares será considerado domicílio em relação aos atos nele praticados. No caso da administração ou diretoria ter sede no estrangeiro, será considerado domicílio da pessoa jurídica, no que se refere às obrigações contraídas por suas respectivas agências, o lugar do estabelecimento, situado no Brasil a que ela corresponder.
Importante
Súmula 363 do STF - “A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou estabelecimento, em que se praticou o ato”.
Em seguimento, o domicílio necessário/legal, art. 76 do CC, diz respeito ao domicílio obrigatório referente à determinadas pessoas naturais, envolvendo algumas hipóteses previstas pela lei. Logo, o domicílio do incapaz (relativo/absolutamente), corresponde ao do seu representante ou assistente. Esse domicílio do incapaz, fixa-se independente da vontade, todavia, medidas de proteção à criança e ao adolescente podem ser impostas, desde que se evidencie omissão ou abuso dos pais/responsáveis. Já o servidor público, tem como domicílio o lugar onde permanentemente exercer suas funções, contudo, não se configura alteração domiciliar se o servidor for comissionado temporariamente para localidade diversa. No caso do militar, o domicílio será o local onde servir.
Curiosidade
Entretanto, se esse militar integrar a Marinha ou Aeronáutica, o domicílio será, respectivamente, a sede do comando a que estiver ligado. Com relação ao preso, a lei prevê como domicílio, o lugar em que estiver cumprindo sentença. Por fim, é importante salientar que a existência de domicílio necessário/legal, não implica a perda automática do domicílio anterior, podendo coexistir a possibilidade de domicílio múltiplo (admitido na legislação pátria, art. 71,72 do CC).
O domicílio do agente diplomático art. 77 do CC, dispõe que “O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou último ponto do território brasileiro onde teve”. No caso, o agente diplomático, pode alegar extraterritorialidade ou não, pois, embora residente em país estrangeiro, considera-se domiciliado no Brasil. Se a extraterritorialidade não for alegada, o diplomata admite, voluntariamente, que seu domicílio é o lugar onde desempenhar suas funções.
Por fim, o domicílio por eleição/especial consiste no local designado pelas partes para que se discutam questões advindas de uma relação contratual, ou seja, é um domicílio que se estabelece por cláusula contratual. Desse modo, é necessário que exista um contrato por escrito contemplando essa cláusula, pois, trata-se de um domicílio contratual e voluntário.
Importante
Súmula 333 do STF - “É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato”.
No que diz respeito à proteção do domicílio, constitui um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal. Dessa forma, assegura-se que a residência de uma pessoa é inviolável, ou seja, ninguém pode entrar nela sem consentimento, salvo em casos específicos previstos em lei. Contudo, existem exceções à regra: flagrante delito, desastre, prestação de socorro e mandado judicial durante o dia. De maneira geral, a proteção do domicílio é uma medida essencial para a preservação dos direitos e liberdades individuais, por meio da salvaguarda de um espaço privado, seguro e digno.
Figura 5: Regras. Fonte: Elaborada pelo autor.
- Súmula 280 do STF - (Provas obtidas mediante invasão de domicílio por policiais sem mandado de busca e apreensão): a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em razões fundadas, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.
- Súmula 321 do STJ - (Busca e apreensão em apartamento desabitado sem autorização judicial): não há nulidade na busca feita por policiais, sem mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação e sobre o qual houver fundada suspeita de servir para a prática de crime permanente.
Portanto, neste tema, estudamos a temática acerca do domicílio e suas implicações. De forma objetiva, domicílio consiste na sede jurídica da pessoa. A sua acepção é se baseia em dois elementos: elemento objetivo (lugar) + elemento subjetivo (ânimo defintivo em permanecer), configurando o centro jurídico de um indivíduo, local onde ele pratica os atos da vida civil. Já, residência consiste no local em que a pesssoa se estabelece habitualmente, podendo, inclusive, o indivíduo ter várias residências.
Quanto às especíes de domicílio, é importante ter em mente os principais tipos, como o domicílio voluntário (aquele escolhido livremente pela pessoa para residir e estabelecer sua base de relações jurídicas, o domicílio Necessário/Legal (Menores de Idade-domicílio é o mesmo de seus pais ou responsáveis, Incapazes-compartilham o domicílio com seus tutores ou curadores, Servidores Públicos-domicílio é o local onde exercem suas funções), e o domicílio da pessoa jurídica que pode ser principal (onde está a sede administrativa ou o principal estabelecimento da pessoa jurídica) ou secundário (refere-se às filiais, agências ou sucursais, que podem ter domicílio distinto do principal para tratar de questões específicas ou regionais), dentre outras especíes.
A proteção do domicílio é garantida pela Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade do lar, permitindo a entrada de terceiros somente em casos específicos. No mais, o domicílio é fundamental em várias areas, como o processual, definindo onde uma pessoa pode ser citada em processos judiciais, civil, estabelecendo onde determinados atos e fatos podem ter efeitos jurídicos e trabalhista na definição de competencias em causas da respectiva area.
Além da Sala de Aula
Como forma de aprofundar os conceitos acerca do tema, Pessoas Jurídicas, sugere-se a leitura do capítulo respectivo, constante na obra de Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil - Parte Geral. Logo, com base nessa indicação de leitura, objetiva-se formar um embasamento teórico mais robusto, de forma que auxilie no desenvolvimento crítico e argumentativo do aluno. Sendo assim, é indicado a leitura do capítulo 14, da obra supracitada, na qual, irá ser abordada toda a esfera teórica e conceitual sobre pessoas jurídicas e suas particularidades.
Todos esses pontos são tratados por Venosa (2024), por isso, faça a leitura da página 191 a 243 do livro Direito Civil - Parte Geral, disponível na Minha Biblioteca.
Lembre-se de que, para iniciar a leitura do livro sinalizado, é necessário fazer login na Minha Biblioteca.
Título do livro/artigo: Direito Civil: Parte Geral
Páginas indicadas: 191 a 243
Referência: VENOSA, S. S. Direito Civil: parte geral. 24. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2024. v. 1.
Como forma de intensificar os estudos, recomenda-se a leitura do capítulo referente ao Domicílio Civil, presente na obra de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Essa indicação de leitura se faz pertinente, pois, nesta obra é possível dispor de uma visão mais aprofundada e detalhada do tema, servindo como lastro teórico. É indicado que a leitura se inicie do respectivo capítulo VII, percorrendo todos os pontos levantados pelos autores, com base no tema, servindo como material complementar e de aprofundamento.
Todos esses pontos são tratados por Gagliano e Pamplona Filho (2024), por isso, faça a leitura da página 279 a 289 do livro Novo Curso de Direito Civil: parte geral, disponível na Minha Biblioteca.
Lembre-se de que, para iniciar a leitura do livro sinalizado, é necessário fazer login na Minha Biblioteca.
Título do livro/artigo: Novo Curso de Direito Civil: parte geral
Páginas indicadas: 279 a 289
Referência: GAGLIANO, P. S; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2024. v. 1.
Desconsideração da Pessoa Jurídica
Neste estudo de caso, abordaremos a questão da desconsideração da pessoa jurídica e suas implicações práticas. A desconsideração da pessoa jurídica trata-se de um mecanismo jurídico que possibilita que obrigações ou responsabilidades alcance às pessoas físicas que estão por trás da respectiva empresa. Desse modo, é um instituto jurídico que permite que o juiz ignore temporariamente a separação legal entre a pessoa jurídica e seus sócios ou administradores, atingindo diretamente o patrimônio pessoal destes para satisfazer obrigações contraídas pela empresa. Esse mecanismo é aplicado em casos específicos de abuso de direito, fraude ou confusão patrimonial.
A empresa Santigo&Santigo constitui uma sociedade limitada que atua no setor de construção civil. Os sócios da empresa, Vitor e Jean, utilizaram a empresa para desviar recursos para fins pessoais, além de não manter uma separação clara entre os bens da empresa e seus bens pessoais. Entre os fatos relevantes que podemos citar sobre esse contexto, podemos destacar que Vitor e Jean utilizaram recursos da empresa para aquisição particular de imóveis e carros de luxo.
Por conseguinte, não houve registros claros acerca das transações financeiras realizadas por Vitor e Jean, sendo impossível distinguir acerca dos recursos que estavam sendo utilizados para determinadas finalidades, gerando uma confusão patrimonial inerente a própria situação em questão. Por fim, a empresa acabou acumulando dívidas com diversos fornecedores, não conseguindo cumprir suas obrigações, alegando nesse sentido, falta de recursos. No entanto, Vitor e Jean externavam um padrão de vida bem diferente da situação apresentada na empresa.
Como consequência dessa situação, um dos fornecedores, Rafael, entrou com uma ação judicial pedindo a desconsideração da personalidade jurídica da empresa Santigo&Santigo, alegando fraude e abuso de direito. O juiz analisou as evidências apresentadas, incluindo documentos financeiros, depoimentos de testemunhas e registros de transações. Ficou evidente que havia um desvio de finalidade e confusão patrimonial. Desse modo, o juiz decidiu pela desconsideração da personalidade jurídica da respectiva empresa, permitindo que os bens pessoais de Vitor e Jean fossem utilizados para satisfazer as dívidas da empresa.
Diante das providências tomadas acima, como consequência os bens pessoais de Vitor e Jeans foram bloqueados e direcionados para o pagamento das dívidas da empresa. O caso em questão caso serviu como precedente para futuros casos de desconsideração da personalidade jurídica, reforçando a importância da separação patrimonial e a responsabilidade dos sócios. Portanto, exemplo ilustra como a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada para proteger os direitos dos credores e garantir a justiça nas relações comerciais.
Questionamentos para reflexão:
- Quais as implicações práticas da desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos no tocante aos sócios ou administradores?
- Quais os impactos da desconsideração da personalidade jurídica para os credores?
- A desconsideração da personalidade jurídica é aplicável a todas as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos ou existem limites/exceções quanto a sua aplicação?
- Qual a relação entre a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade objetiva?
- Qual a diferença entre desconsideração direta e desconsideração inversa da personalidade jurídica?
Assista às videoaulas a seguir, que têm como objetivo reforçar os conteúdos abordados nesta unidade de maneira didática para embasar os conceitos e teorias trabalhados. Esperamos que contribuam significativamente para seu aprendizado e que a busca pelo conhecimento não se encerre neste percurso de aprendizagem.
Neste infográfico, abordaremos a extinção da pessoa jurídica de direito privado. Logo, a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado resulta do registro do seu ato constitutivo no órgão competente, todavia seu término pode ocorrer de diversas causas especificadas no Código Civil. Quanto as formas de extinção, podemos destacar a convencional (ocorre pela deliberação de seus membros), legal, administrativa ou judicial. O infográfico pretende destacar o processo de extinção por meio de suas etapas (dissolução, liquidação, extinção). Desse modo, trata-se de um recurso visual projetado com a finalidade de proporcionar aos alunos uma compreensão mais objetiva acerca dessa temática.

Inicialmente, nesta unidade, focamos no instituto da pessoa jurídica. De maneira geral, é importante ter em mente o conceito de pessoa jurídica que, pode ser entendido como um grupamento de pessoas (unidade) que por meio de determinados requisitos, visam se inserir na vida jurídica nas mesmas condições das pessoas naturais. Entre os principais pilares da pessoas jurídica, destaca-se a sua autonomia (ente distinto das pessoas que a integram) e patrimônio próprio e indepentente.
No tocante às modalidades de pessoa jurídica, destaca-se as pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado. As pessoas jurídicas de direito público, por sua vez, se subdividem em: Administração Direta: União, Estados e Distrito Federal, Município e Administração Indireta: Autarquias (entidades autônomas que executam atividades típicas da administração pública), Fundações Públicas (entidades instituídas pelo poder público para executar atividades de interesse público, sem caráter econômico), Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (empresas criadas pelo poder público, mas que operam em regime de direito privado, embora com finalidades públicas).
Já as pessoas jurídicas de direito privado consistem em entidades criadas por iniciativa privada, com fins lucrativos ou não, subdividindo-se em: Associações (instituições formadas pela união de pessoas com fins não lucrativos e objetivos comuns), Fundações Privadas (criadas por uma pessoa física ou jurídica, destinadas à realização de atividades de interesse público com patrimônio vinculado a esses fins), Sociedades Empresariais (entidades com fins lucrativos, destinadas à produção e circulação de bens e serviços), Organizações Religiosas e Partidos Políticos.
O instituto da desconsideração da pessoa jurídica configura um mecanismo excepcional do afastamento temporário e ocasional da personalidade jurídica da uma sociedade empresarial a fim de permitir, em caso de abuso ou de manipulação fraudulenta, que o credor lesado satisfaça, com o patrimônio pessoal dos sócios da empresa, a obrigação não cumprida. Logo, é imperioso ressaltar que se trata de uma medida atípica, tendo em vista a preservação da autonomia patrimonial ser a regra, devendo apenas ser deferida quando os requisitos se fizerem presentes no caso concreto (abuso da personalidade, desvio de finalidade e confusão patrimonial).
Por fim, trabalhamos a temática referente ao domicílio e suas implicações. Nesse sentido, evidencia-se que o domicílio possui importância prática em vários ramos, visto que determina a competência nessa seara. Cumpre salientar a distinção, que por vezes, causa contradições quanto ao conceito de residência e de domicílio. Residência é local onde o indivíduo pode ser encontrado com certa estabilidade, enquanto domicílio se lastra na ideia de permanência, apresentando dois elementos essenciais para sua caracterização: o elemento objetivo (ideia de lugar onde o indivíduo pode ser encontrado normalmente) e o elementos subjetivo (ânimo de definitividade).
Ademais no que se refere às especíes de domicílio, é importante ter em mente os principais tipos, como o domicílio voluntário (aquele escolhido livremente pela pessoa para residir e estabelecer sua base de relações jurídicas, o domicílio Necessário/Legal (Menores de Idade-domicílio é o mesmo de seus pais ou responsáveis, Incapazes-compartilham o domicílio com seus tutores ou curadores, Servidores Públicos-domicílio é o local onde exercem suas funções), e o domicílio da pessoa jurídica que pode ser principal (onde está a sede administrativa ou o principal estabelecimento da pessoa jurídica) ou secundário (refere-se às filiais, agências ou sucursais, que podem ter domicílio distinto do principal para tratar de questões específicas ou regionais), dentre outras especíes.
Para sua autorreflexão:
- Distinguiu as espécies de pessoa jurídica categorizadas?
- Definiu o instituto da desconsideração da pessoa jurídica e elencar seus efeitos práticos?
- Categorizou o domicílio e suas implicações, bem como quais as principais espécies de domicílio?
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