Nesta unidade, iremos abordar diversos institutos, tomando como base seus conceitos e elementos caracterizadores. A vida consiste em uma sucessão de acontecimentos, sejam eles oriundos das forças da natureza ou da conduta humana. É certo que o valor desses acontecimentos não é uniforme; assim, a norma jurídica surge para ponderar a importância dos fatos.
Conforme aduz Pereira (2004), a lei comumente define uma possibilidade, um vir a ser, que se transforma em direito mediante a ocorrência de um determinado acontecimento, convertendo a potencialidade de um interesse em um direito individual. Dessa forma, quando um fato interfere no equilíbrio da posição do homem em relação aos demais, o viés jurídico passa a atuar sobre ele, atribuindo-lhe efeitos que repercutem na convivência social.
A norma jurídica, portanto, incide sobre os fatos que compõem o mundo, conferindo-lhes consequências específicas, ou seja, efeitos jurídicos, os quais constituem um elemento crucial na definição da natureza do próprio fato.
Dessa maneira, esta unidade tem como objetivo explorar conceitos fundamentais relacionados ao ato, fato e negócio jurídico, analisando a inter-relação entre esses institutos e suas implicações. Além disso, por ser o tempo um fator essencial na produção de diversos efeitos jurídicos, abordaremos a prescrição e a decadência, destacando seus aspectos fundamentais.
No decorrer da leitura desta unidade, iremos abordar diversos conceitos sobre ato, fato e negócio jurídico, assim como sobre prescrição e decadência. De início, trabalharemos os atos e fatos jurídicos, seus conceitos e particularidades. O ato jurídico é a base para a criação, modificação e extinção de direitos e obrigações, estruturando e regulando as relações jurídicas entre indivíduos, empresas e o poder público.
A compreensão e a correta aplicação dos atos jurídicos são essenciais para garantir a justiça e a segurança jurídica nas interações sociais e econômicas. Os fatos jurídicos, por sua vez, sejam naturais ou humanos, voluntários ou involuntários, constituem a base sobre a qual se constroem as relações jurídicas, regulando situações do cotidiano de forma ordenada e previsível.
Na sequência, analisaremos a prescrição e a decadência. Ambos os institutos regulam a perda de direitos ao longo do tempo, mas possuem diferenças fundamentais em sua aplicação e natureza. Portanto, exploraremos essas singularidades com o objetivo de assegurar a correta aplicação das normas legais e a proteção eficaz dos direitos dos indivíduos, considerando a distinção entre ambos.
Nos temas a seguir, você irá aprofundar seu conhecimento com o estudo dos assuntos específicos desta unidade e, ao final, deverá atingir os seguintes objetivos de aprendizagem:
- Caracterizar fato e ato jurídicos.
- Especificar os elementos de eficácia do negócio jurídico.
- Diferenciar nulidade e anulabilidade.
- Identificar as diferenças entre prescrição e decadência.
Tema 1 - Fatos, Atos Jurídicos e o Direito Brasileiro
A vida é uma sucessão de acontecimentos oriundos das forças da natureza ou da conduta humana. Nesse contexto, como o valor dos acontecimentos não é uniforme, a norma jurídica surge para qualificar e adjetivar os fatos cotidianos, jurisdicizando-os.
O fato jurídico traz em seu bojo a coercibilidade, ou seja, a produção de efeitos jurídicos, distinguindo-se, assim, do fato material (antijurídico), que não os produz. Na realidade, sendo fruto da previsão normativa, seja por regras ou princípios, o fato jurídico gera a aquisição, modificação, extinção ou manutenção de direitos. Dessa forma, a doutrina majoritária brasileira enfatiza a figura do fato jurídico como elemento essencial para a produção de efeitos jurídicos incontestáveis.
Figura 1: Fatos, atos jurídicos e o Direito brasileiro. Fonte: Dreamstime.
Portanto, os atos jurídicos, que são manifestações de vontade capazes de gerar efeitos jurídicos, e os fatos jurídicos, que são ocorrências que produzem consequências legais independentemente da vontade humana, formam a base para a aplicação das normas jurídicas.
O estudo desses conceitos permite uma análise crítica e a aplicação prática das normas em situações concretas, garantindo justiça e segurança jurídica nas interações sociais e econômicas. Isso é essencial para a construção de um sistema jurídico coerente e previsível, capaz de resolver conflitos de maneira justa e eficaz. A seguir, exploraremos os respectivos conceitos dos institutos em questão, abordando suas particularidades.
Ato e Fato Jurídico
Nessa perspectiva, o ato jurídico é uma manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos. Ele envolve a intenção das partes de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Exemplos incluem contratos, testamentos e declarações de vontade, como a aceitação de herança.
A validade dos atos jurídicos depende de elementos como a capacidade das partes, a licitude do objeto, a forma prescrita ou não proibida por lei e a ausência de vícios do consentimento. Nesse sentido, é relevante considerar alguns elementos caracterizadores do ato jurídico:
-
Ato humano de vontade:
Consiste na exteriorização da vontade pretendida, pois a vontade, enquanto interna, não vincula nem produz efeitos. Por exemplo, se alguém comparece a um leilão e não levanta o braço, não poderá apresentar um lance para aquisição do bem leiloado.
-
Consciência dessa exteriorização de vontade:
Se, no mesmo leilão, alguém levanta o braço para chamar o garçom, sem intenção de oferecer um lance, esse gesto não pode ser considerado um ato jurídico. A vontade exteriorizada deve estar direcionada à obtenção de um resultado permitido pela ordem jurídica.
Importante
A exteriorização da vontade pode ocorrer por meio de declaração ou manifestação de vontade. A manifestação corresponde à exteriorização por simples comportamento das pessoas, enquanto a declaração é a manifestação qualificada, distinguindo-se pelo modo como a vontade é expressada.
Por outro lado, o fato jurídico é qualquer acontecimento que gera efeitos jurídicos, independentemente da vontade humana. A noção de fato jurídico, entendido como o evento concretizador da hipótese contida na norma, abrange não apenas acontecimentos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito), mas também ações humanas lícitas ou ilícitas. Estes incluem o ato jurídico em sentido amplo, que se subdivide em negócio jurídico, ato jurídico stricto sensu e ato ilícito, além de situações em que, mesmo havendo atuação humana, não há manifestação de vontade, mas ainda assim se produzem efeitos jurídicos (ato-fato jurídico).
Figura 2: A exteriorização de vontade poderá se dar por meio de declaração ou manifestação de vontade. Fonte: Dreamstime.
Deduz-se, portanto, que todo fato, para ser considerado jurídico, deve passar por um juízo de valoração. Essa valoração é essencial para conferir coercibilidade a determinados acontecimentos, pois somente os fatos qualificados como jurídicos possuem força obrigatória. Alguns fatos são simplesmente irrelevantes para o direito.
Assim, apenas os acontecimentos da vida que são juridicamente relevantes podem ser considerados fatos jurídicos, independentemente de sua natureza. Esses fatos podem ser classificados em:
Naturais
Que se subdividem:
-
Ordinários:
Não necessitam de manifestação da pessoa, como nascimento, morte e maioridade.
-
Extraordinários:
Relacionados a eventos imprevisíveis e inevitáveis, geralmente enquadrados como caso fortuito ou força maior, como terremotos, tempestades e raios.
Jurídicos voluntários
Dependem da manifestação de vontade das pessoas, seja por meio de uma ação (conduta comissiva) ou de uma omissão (abstenção), subdividindo-se em:
-
Atos jurídicos em sentido amplo:
Qualquer manifestação de vontade que produza efeitos jurídicos, independentemente de esses efeitos serem desejados ou não pelas partes. Dentro dessa categoria, encontram-se:
-
Atos Jurídicos Lícitos:
Conforme a lei, produzem efeitos jurídicos válidos. Exemplos incluem contratos, testamentos e doações, realizados com a intenção de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.
-
Atos Jurídicos Ilícitos:
Ações ou omissões contrárias à lei, que geram efeitos jurídicos adversos. Exemplos incluem delitos e contravenções, onde há violação de normas jurídicas, resultando em responsabilidade civil ou penal para o agente.
Por sua vez, os atos jurídicos em sentido amplo (lato sensu) subdividem-se em:
Atos Jurídicos em Sentido Estrito
São aqueles que, ao serem praticados, produzem efeitos jurídicos imediatos e regulados pela legislação, sem exigir condições ou formalidades complexas além das essenciais para sua validade. Como exemplo, a aceitação de uma herança pelos herdeiros confere direitos de propriedade sobre os bens deixados pelo falecido.
Ato-Fato Jurídico ou Ato Real
Refere-se a uma ação voluntária que, mesmo sem a intenção de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, gera efeitos jurídicos por força da lei. Como exemplo, a criação de uma pintura por um artista, ainda que não tenha sido feita com a intenção de vendê-la, gera direitos autorais protegidos por lei.
Negócios Jurídicos
Expressão maior da autonomia privada, trata-se da manifestação de vontade das partes envolvidas com o objetivo de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. São essenciais para regular relações jurídicas, garantindo segurança e previsibilidade nas interações sociais e econômicas. Um exemplo clássico é o contrato de compra e venda.
Importante
Não se deve confundir o ato jurídico stricto sensu com o ato fato jurídico. A distinção torna-se clara ao considerar a existência ou não de uma atuação consciente: enquanto o ato jurídico exige a manifestação consciente da vontade, o ato-fato jurídico independe desse elemento psíquico. Um exemplo de ato jurídico stricto sensu é a fixação do domicílio.
A finalidade do ato jurídico stricto sensu está previamente determinada na lei, enquanto o negócio jurídico pode concretizar-se em diferentes momentos da vida jurídica. Normalmente, os atos jurídicos em sentido estrito resultam de manifestações de vontade, enquanto os negócios jurídicos são embasados em declarações de vontade. Entretanto, essa distinção pode variar conforme o caso concreto, sem comprometer a configuração do ato.
De forma sintética, um fato, qualquer que seja sua natureza, pode ser voluntário ou natural e apresenta diversas classificações jurídicas. Observe a Figura 3.
Figura 3: Figuras jurídicas do fato. Fonte: Elaborada pela autora.
Importante destacar o significado de cada um:
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Fato não jurídico:
Sem relevância jurídica;
-
Fato jurídico:
Todo acontecimento natural/humano que gera efeitos na órbita; jurídica, apto a criar, modificar ou extinguir direitos;
-
Involuntário:
Sem concurso da vontade humana;
-
Voluntário:
Depende da conduta humana;
-
Ato ilícito:
Contraria o ordenamento jurídico;
-
Ato jurídico em sentido estrito:
Simples comportamento humano, de natureza não negocial, que conduz à produção de efeitos legalmente previstos, não há liberdade de escolha quanto aos efeitos, são automáticos;
-
Ato-fato jurídico:
A vontade humana é essencial para sua configuração, contudo, seus efeitos independem do elemento anímico;
-
Negócio jurídico:
Depende de uma declaração de vontade complexa para sua elaboração, permitindo a escolha dos efeitos jurídicos que queira produzir (autonomia da vontade).
Os fatos jurídicos produzem diversas consequências legais, que podem afetar diretamente os direitos e obrigações dos indivíduos envolvidos. Assim, temos:
-
Criação de Direitos e Obrigações:
Alguns fatos jurídicos resultam na criação de novos direitos e obrigações para as partes envolvidas. Por exemplo, o nascimento de uma criança gera direitos de filiação e deveres de cuidado e sustento para os pais.
-
Modificação de Situações Jurídicas:
Outros fatos podem alterar o estado atual das relações jurídicas. Por exemplo, o casamento altera o estado civil dos cônjuges e modifica direitos e deveres patrimoniais e pessoais.
-
Extinção de Direitos e Obrigações:
Certos fatos levam à extinção de direitos e obrigações. A morte de uma pessoa, por exemplo, extingue seus direitos personalíssimos e obrigações não transmissíveis.
-
Aquisição de Propriedade:
Fatos jurídicos podem resultar na aquisição de propriedade, como a descoberta de um tesouro em propriedade alheia, onde o descobridor e o proprietário compartilham o direito sobre o achado.
-
Perda de Direitos:
Alguns fatos jurídicos podem levar à perda de direitos, como a desapropriação de um imóvel pelo poder público para fins de utilidade pública, onde o proprietário perde a posse e a propriedade do bem.
-
Transformação de Obrigações:
Certos eventos podem transformar a natureza das obrigações. Por exemplo, a novação, que ocorre quando uma nova obrigação substitui uma anterior, alterando os termos originais do acordo.
-
Responsabilidade Civil e Penal:
Fatos jurídicos relacionados a atos ilícitos podem gerar responsabilidade civil (obrigação de indenizar) ou penal (sanções criminais). Por exemplo, um acidente de trânsito causado por negligência pode resultar em indenização por danos e processos criminais.
Importante
A “escada ponteana” é um conceito fundamental no direito civil, desenvolvido pelo jurista brasileiro Pontes de Miranda. Esse conceito é utilizado para analisar a validade e a eficácia dos atos e negócios jurídicos, organizando-os em três planos distintos: existência, validade e eficácia. Cada plano representa uma etapa essencial para determinar se um ato ou negócio jurídico pode produzir efeitos no mundo jurídico.
Trata-se de um instituto crucial para a análise e compreensão dos atos e negócios jurídicos, pois possibilita uma avaliação sistemática e criteriosa dos elementos que compõem essas manifestações de vontade.
Dessa forma, a escada ponteana assegura que todas as etapas necessárias sejam observadas para que um ato ou negócio jurídico seja considerado existente, válido e eficaz, garantindo a justiça e a segurança jurídica nas relações privadas.
Figura 4: Todas as etapas necessárias para que um ato ou negócio jurídico seja considerado existente. Fonte: Elaborada pela autora.
De modo geral, atos, fatos e negócios jurídicos são conceitos fundamentais que se distinguem por suas características e pelos efeitos que produzem. Um ato jurídico é uma manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos, como um contrato de compra e venda ou um testamento, nos quais as partes envolvidas têm a intenção de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.
Já o fato jurídico é qualquer acontecimento que gera consequências legais independentemente da vontade humana. Pode ser um evento natural, como o nascimento de uma pessoa, que automaticamente gera direitos e deveres de filiação, ou um evento humano involuntário, como um acidente de trânsito que resulta em responsabilidade civil.
Por outro lado, um negócio jurídico é uma manifestação específica de vontade com a intenção clara de produzir efeitos jurídicos, baseando-se na autonomia das partes. Exemplos incluem contratos de aluguel, nos quais as partes estabelecem direitos e obrigações mútuos, ou a doação de um bem, que envolve a transferência voluntária de propriedade.
Enquanto atos e negócios jurídicos dependem da intenção das partes para gerar efeitos, os fatos jurídicos ocorrem independentemente dessa intenção, influenciando automaticamente as relações jurídicas. Essas distinções são cruciais para a compreensão e aplicação das normas legais nas diversas situações da vida cotidiana.
Neste tema, estudamos os atos e fatos jurídicos e suas implicações. Ambos são elementos fundamentais do direito civil. O ato jurídico é uma manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos, enquanto o fato jurídico é qualquer acontecimento que gera consequências jurídicas, independentemente da vontade humana.
As características dos atos jurídicos incluem intencionalidade e conformidade com a lei. Eles podem ser classificados em atos lícitos, que estão de acordo com as normas jurídicas, e ilícitos, que as violam.
Já os fatos jurídicos se dividem em fatos naturais, como o nascimento ou a morte, que ocorrem sem intervenção humana, e fatos humanos, que resultam das ações das pessoas, podendo ser voluntários ou involuntários.
A distinção entre atos e fatos jurídicos é essencial para compreender como as normas legais se aplicam a diferentes situações da vida cotidiana e como essas situações podem gerar direitos e obrigações para os indivíduos envolvidos. Essas classificações ajudam a organizar e sistematizar o direito, proporcionando clareza e previsibilidade nas relações jurídicas.
Tema 2 - Negócio Jurídico e sua Eficácia
Neste tema, iremos abordar o negócio jurídico e suas principais nuances. Negócio jurídico é a declaração de vontade emitida em conformidade com seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico e pretendidos pelo agente. A regra geral positivada sobre a interpretação dos negócios jurídicos sustenta que a manifestação de vontade é seu elemento mais importante, independentemente da forma como se materializou.
Nesse sentido, a boa-fé objetiva torna-se o paradigma de interpretação de todo e qualquer negócio jurídico, sendo amplamente valorizada pelo Código Civil de 2002. Isso se verifica tanto na regra geral do artigo 113, que determina que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração", quanto nas disposições genéricas sobre contratos.
O Código Civil de 1916 adotava a teoria unitária do ato jurídico, oriunda do sistema francês, pois não diferenciava ato de negócio jurídico. Já o Código Civil de 2002 adotou a teoria dualista, do sistema alemão, que distingue expressamente os atos jurídicos stricto sensu dos negócios jurídicos. Assim, enquanto o ato stricto sensu e o ato ilícito dependem de expressa previsão legal, o negócio jurídico admite figuras atípicas.
Além disso, o Código Civil de 2002 não tratou especificamente do ato jurídico em sentido estrito, limitando-se a estabelecer, no artigo 185, que as disposições relativas ao negócio jurídico (artigos 104 a 184) aplicam-se, no que couber, aos atos jurídicos lícitos. Portanto, a seguir, abordaremos as particularidades do negócio jurídico.
Negócio Jurídico e suas Particularidades
O negócio jurídico é toda declaração de vontade em conformidade com o ordenamento jurídico, destinada a criar, modificar ou extinguir relações e situações jurídicas. Ele representa um fato jurídico cujo resultado final é planejado pelas partes. Dessa forma, a exteriorização da vontade, como elemento essencial, impulsiona o negócio jurídico e reflete a satisfação de interesses privados. Assim, constitui um verdadeiro instrumento de atuação da autonomia privada.
Entretanto, o elemento volitivo, decorrente da autonomia privada e da autonomia da vontade, não é absoluto. Em razão da proteção destinada à dignidade da pessoa humana, a liberdade negocial tem sofrido limitações impostas por normas de ordem pública, especialmente constitucionais. No plano concreto do ato negocial, as partes devem também respeitar deveres implícitos que decorrem da ética comum esperada em todas as relações intersubjetivas.
Figura 5: O negócio jurídico revela um fato jurídico cujo resultado final é planejado pelas partes. Fonte: Envato.
Portanto, reitera-se que o negócio jurídico é um pressuposto de fato que contém uma ou várias declarações de vontade, servindo de base para a produção de efeitos jurídicos desejados, voltados a uma finalidade protegida pelo ordenamento jurídico. No entanto, o termo negócio pode referir-se tanto a um ato unilateral, que se aperfeiçoa com uma única manifestação de vontade, como ocorre no testamento, na renúncia da herança e na confissão de dívidas, quanto a um ato bilateral, como no caso dos contratos.
Há uma composição de interesses no negócio jurídico, como ocorre na celebração de um contrato. O negócio é constituído por um regramento bilateral de condutas que visa criar, adquirir, transferir, modificar ou extinguir direitos. Dessa forma, a manifestação de vontade possui finalidade negocial, apresentando uma estrutura interna mais rica e complexa do que o ato jurídico, no qual a vontade apenas adere aos efeitos previstos na ordem jurídica.
Por conseguinte, o Código Civil, ao relativizar o subjetivismo na interpretação, estabelece elementos objetivos no artigo 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. A boa-fé referida pelo Código é a objetiva, que consiste em uma regra de conduta, um padrão de comportamento baseado na lealdade e na solidariedade. Para avaliar se uma pessoa agiu com boa-fé, basta verificar se sua conduta se adequa a esse padrão objetivo. Trata-se, portanto, de uma manifestação do princípio da eticidade. Já a boa-fé subjetiva envolve a investigação da intenção do agente.
Ainda no campo da interpretação, a boa-fé exerce um papel fundamental na correta compreensão das cláusulas contratuais e das normas legais aplicáveis. Também devem ser considerados os usos e costumes de cada localidade. Dessa forma, com base nos parâmetros da boa-fé objetiva, presume-se que os contratantes atuam com lealdade e razoabilidade nas tratativas, uma vez que a má-fé não pode ser presumida e deve ser comprovada.
O tema das teorias do negócio jurídico não é pacífico na doutrina. De modo geral, uma corrente defende o elemento volitivo como o fator determinante, existindo independentemente da consciência dos integrantes do negócio jurídico quanto aos efeitos a serem produzidos. Por outro lado, há quem sustente que a vontade só deve ser considerada quando há a intenção de produzir um efeito prático.
Duas teorias merecem destaque nesse contexto. A teoria voluntarista sustenta que o núcleo do negócio jurídico é a vontade interna, ou seja, a intenção de produzir efeitos. Segundo essa visão, o negócio só gera efeitos porque os declarantes desejam que esses efeitos se realizem. Essa teoria exerceu grande influência no direito brasileiro, pois favorece a intenção como regra interpretativa.
Já a teoria objetivista defende que o núcleo do negócio jurídico é a vontade externa, ou seja, a vontade declarada, e não aquilo que a pessoa efetivamente pensou. Em caso de conflito entre a vontade e a declaração, a solução ocorre pela predominância da declaração objetiva sobre a vontade subjetiva. Essa teoria, oposta à teoria voluntarista, também é conhecida como teoria preceptiva, pois considera o negócio jurídico um preceito de autonomia privada direcionado a interesses concretos próprios de quem o estabelece. Dessa forma, para essa teoria, o negócio jurídico constitui um comando concreto ao qual o ordenamento jurídico reconhece eficácia vinculante.
Cabe ressaltar que essas teorias não são necessariamente antagônicas, mas complementares, pois a vontade externa reflete a vontade interna e decorre dela. A desarmonia entre ambas indica a existência de um vício de consentimento.
Importante
O Código Civil adotou um equilíbrio entre as teorias. O artigo 112 afastou a teoria pura da vontade e incorporou a teoria da autorresponsabilidade, segundo a qual se prestigia a vontade, mas atribuindo responsabilidade ao seu emissor. Dessa forma, a vontade continua sendo o elemento propulsor, mas deve ser respaldada por sua correspondente declaração.
No que se refere à classificação dos negócios jurídicos, não há unanimidade quanto à categorização, devido à diversidade de tipos de negócios existentes. De modo geral, a classificação se estrutura conforme os seguintes critérios:
- Quanto às vantagens que produzem
- Gratuitos: Negócios nos quais apenas uma das partes obtém benefícios, como ocorre na doação. Destaca-se que o Código Civil, em seu artigo 114, determina que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia devem ser interpretados estritamente, sem margem para interpretação ampliativa.
- Onerosos: As partes buscam reciprocamente vantagens patrimoniais, havendo benefícios e sacrifícios para ambas. Subdividem-se em:
- Comutativos: caracterizam-se pelo equilíbrio subjetivo entre as prestações, que são equivalentes e determinadas. Nesse caso, as partes têm conhecimento prévio das vantagens econômicas auferidas. Como exemplo pode-se citar a compra e venda.
- Aleatórios: pelo menos uma das prestações está subordinada a um evento futuro e incerto (álea). Dessa forma, as vantagens são indefinidas e não previamente conhecidas. Exemplos incluem o contrato de seguro e a cessão de direitos hereditários.
- Quanto às formalidades:
- Solene/formal: Dependem, para sua existência, de forma especial prescrita em lei. Como exemplos temos casamento, testamento.
- Não solene/informal: Não possuem imposição legal para sua efetivação. O art. 107 dita que, em regra, a formalidade só será exigida quando a lei assim determinar. Como exemplos temos compra e venda de bem móvel.
- Quanto ao conteúdo:
- Patrimoniais: Quando versarem sobre questões suscetíveis de aferição econômica.
- Extrapatrimoniais: Quando versarem sobre direitos personalíssimos e direito de família.
- Quanto ao número de e sentido de manifestação da vontade:
- Unilaterais: Declaração no mesmo sentido, emanada de um ou mais sujeitos e quanto ao objeto. Subdividem-se em:
- Receptícios: seus efeitos só se produzem após o conhecimento da declaração do destinatário;
- Não receptícios: independem do conhecimento do destinatário para sua efetivação. Como exemplo podem ser citados o testamento e a promessa de recompensa.
- Bilaterais: declaração de vontade emanada de duas ou mais pessoas coincidentes sobre o objeto, mas em sentidos diferentes, podendo ser:
- Simples: confere benefício a uma das partes;
- Sinalagmático: oferta vantagem e ônus a ambos sujeitos;
- Plurilaterais: atos com participação de mais de duas partes com de declarações no mesmo sentido. Como exemplos temos contrato social de constituição de sociedade com mais de dois sócios.
- Unilaterais: Declaração no mesmo sentido, emanada de um ou mais sujeitos e quanto ao objeto. Subdividem-se em:
- Quanto aos seus efeitos:
- Aquisitivos: neles, a aquisição de direitos pode ser:
- Originária: configura-se quando não existe relação jurídica de titularidade de direitos pretérita. Como exemplo, o sujeito que sai para pescar e retorna com o barco repleto de peixes, demonstrando aquisição originária do direito de propriedade;
- Derivada: ocorre com a transmissão do direito entre um sucessor e um sucedido. Todavia, sempre há manifestação de vontade do titular anterior, podendo ocorrer em razão da lei. Como exemplos temos a sucessão de bens hereditários aos herdeiros necessários, e compra e venda.
- Modificativos: pode haver modificação nos direitos, quer em relação aos seus titulares, quer em relação ao seu conteúdo, objetivando alterar a eficácia, objeto, elementos circunstanciais, partes, entre outros.
- Conservativos: ocorrem fatos jurídicos com finalidade apenas de conservação dos direitos do negócio jurídico.
- Extintivos: a perda do direito pode se dar forma absoluta (o exercício do direito restou impossibilitado) ou relativa (ainda existe a possibilidade do exercício do direito).
- Aquisitivos: neles, a aquisição de direitos pode ser:
A tradicional classificação dos elementos do negócio jurídico divide-se em:
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Elementos essenciais:
São indispensáveis à existência do ato, formando sua substância. Podem ser gerais, comuns a todos os negócios, como a declaração de vontade, ou particulares, específicos de determinadas espécies contratuais, como o preço e o consentimento na compra e venda.
-
Elementos naturais:
São consequências ou efeitos que decorrem da própria natureza do negócio, sem necessidade de estipulação expressa. Como exemplo, pode-se citar a responsabilidade do alienante por vícios redibitórios.
-
Elementos acidentais:
São disposições acessórias e facultativas que as partes podem incluir no negócio para modificar algumas de suas consequências naturais. Entre eles, destacam-se a condição, o termo e o encargo.
A condição corresponde a um acontecimento futuro e incerto que subordina a produção dos efeitos de um negócio jurídico. Esse conceito remete à condição própria, que resulta de uma convenção entre as partes. Além disso, existem as condições impróprias, que integram a própria natureza do negócio jurídico. Como exemplo, pode-se citar o testamento, que só terá eficácia na transmissão causa mortis se o falecido vier a morrer antes do beneficiário.
Importante
A condição somente é cabível em negócios patrimoniais. Há negócios jurídicos que não podem ser subordinados a nenhuma espécie de condição, como casamento, adoção, reconhecimento de filho, aceitação ou renúncia de herança.
A condição pode afetar tanto a aquisição quanto a extinção de direitos e deveres. Entre as várias classificações existentes, destacam-se as seguintes:
-
Condição suspensiva:
A eficácia do ato jurídico permanece suspensa até que a condição se realize. Por exemplo, um contrato de doação pode prever que a doação só será efetivada se o donatário se formar na universidade.
-
Condição resolutiva:
O direito é imediatamente adquirido, mas pode ser extinto caso a condição ocorra. Um exemplo seria um contrato de trabalho que prevê a rescisão automática caso o empregado cometa um ato de insubordinação.
-
Condição positiva:
Exige a ocorrência de um evento para que o efeito jurídico se concretize. Como exemplo, um testamento pode conter uma cláusula que estipula a doação de um bem caso o herdeiro atinja uma determinada idade.
-
Condição negativa:
Exige a não ocorrência de um evento para que o efeito jurídico se concretize. Por exemplo, um benefício pode ser concedido desde que o beneficiário não se case.
-
Condição potestativa:
Refere-se a um evento futuro e incerto que depende da vontade de uma das partes, sujeitando-se a um fator ou elemento externo. Um exemplo é um contrato de locação que estabelece a prorrogação automática se o inquilino permanecer trabalhando no município.
O termo, por sua vez, subordina a eficácia inicial ou final de um negócio jurídico a um evento futuro e certo. Como sua ocorrência é inevitável, pode ser previamente datado. Como exemplo, pode-se citar a morte. O termo inicial e o termo final seguem, no que couber, as disposições aplicáveis à condição suspensiva e à condição resolutiva.
-
Termo inicial:
Apresenta semelhança com a condição suspensiva, pois, antes de sua ocorrência, o negócio jurídico ainda não produz efeitos. No entanto, ao contrário da condição, o termo inicial gera um direito adquirido, pois o evento é certo. Ele suspende o exercício do direito, mas não sua aquisição. Dessa forma, não impede o pagamento antecipado de uma obrigação, o que justifica, por exemplo, a quitação antecipada de um financiamento de veículo com abatimento de juros.
-
Termo final:
Equivale à condição resolutiva, pois encerra o negócio jurídico. Pode ser classificado como convencional, quando resulta da vontade das partes; de direito, quando decorre de disposição legal; ou judicial, quando é estabelecido por decisão judicial, sendo conhecido também como termo de graça.
O artigo 132 do Código Civil estabelece algumas regras para a contagem de prazos:
- Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.
- Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até a o seguinte dia útil.
- Meado do mês é considerado o seu décimo quinto dia.
- Prazos contados em meses e anos expiram no dia de igual número ao do início ou no dia imediatamente seguinte, caso não haja correspondência exata.
- Prazos fixados por hora são contados de minuto a minuto, desde que se conheça o horário de início.
Por fim, o encargo ou modo consiste na imposição de uma obrigação ao beneficiário de uma liberalidade, como em testamentos ou doações. Trata-se de um ônus que limita a liberalidade, impondo uma restrição à vantagem concedida ao beneficiário de um negócio jurídico gratuito. Como exemplo, pode-se mencionar a doação de uma casa com a obrigação de o donatário cuidar de crianças.
A restrição pode ser estabelecida para destinar um fim específico ao bem adquirido ou para impor uma obrigação ao favorecido, em benefício do instituidor, de um terceiro ou da coletividade. No entanto, o encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente estipulado como condição suspensiva.
Ressalta-se que o encargo geralmente está presente nos negócios de liberalidade realizados inter vivos ou por disposição de última vontade. Além disso, pode ser estabelecido em promessas de recompensa e outros atos unilaterais.
Figura 6: Elementos acidentais do negócio jurídico. Fonte: Elaborada pela autora.
No tocante aos planos/dimensões do negócio jurídico, temos uma tricotomia de existência/validade/eficácia. Logo, a compreensão do negócio jurídico, desprovida desses elementos não é possível.
O Plano da Existência refere-se aos elementos essenciais que devem estar presentes para que o negócio jurídico exista. Sem esses elementos, o ato não é considerado um negócio jurídico.
Assim, afasta-se a invalidade e a eficácia do negócio jurídico. Logo, se um casamento é celebrado por um delegado de polícia, por exemplo, ele é considerado inexistente. Não há uniformidade na doutrina, acerca dos elementos estruturantes do negócio jurídico, sem os quais é considerado inexistente. Todavia, destacam-se:
-
Agente Capaz:
Presença de um agente (pessoa física ou jurídica) com capacidade de atuar no mundo jurídico.
-
Idoneidade do Objeto:
O objeto deve ser lícito.
-
Forma:
A maneira pela qual o negócio jurídico se manifesta, que pode ser escrita, verbal ou outras previstas em lei.
-
Ausência de Vícios do Consentimento:
O consentimento das partes deve ser livre de erros, dolo, coação, entre outros vícios.
-
Declaração de vontade:
Sem manifestação de vontade, o negócio jurídico é inexistente.
O Plano da Validade analisa a aptidão do negócio jurídico para produzir efeitos. Logo, integra a perfeição sob a ótica dos requisitos exigidos pela lei. Assim, na ausência de algum dos elementos da validade, torna o negócio inválido, gênero do qual decorrem a nulidade e anulabilidade como espécies. Como elementos desse plano, temos:
-
Agente Capaz:
Os envolvidos no negócio jurídico devem possuir capacidade civil, ou seja, devem ser legalmente capazes de realizar atos na esfera jurídica sem restrições. Isso inclui ter idade mínima, discernimento mental e não estar impedido por alguma condição legal.
-
Manifestação da vontade exteriorizada conscientemente:
A manifestação da vontade deve ser totalmente livre e de boa-fé. O silêncio somente é admitido como manifestação de vontade em casos excepcionais previstos em lei ou se vier acompanhado de outros fatores externos.
-
Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável:
O objeto do negócio jurídico deve ser:
- Lícito: Não pode contrariar a lei, a moral, ou a ordem pública.
- Possível: Deve ser possível de ser cumprido, tanto física quanto juridicamente.
- Determinado ou Determinável: Deve ser claramente identificado ou passível de determinação futura, de forma objetiva.
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Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei:
O negócio jurídico deve observar a forma estabelecida por lei, quando houver. Na ausência de forma prescrita, ele deve ser celebrado de forma que não seja proibida pela legislação. Isso significa que alguns negócios devem ser escritos, outros podem ser verbais, desde que não haja proibição legal.
O plano da eficácia exige que o negócio seja existente e válido, refletindo-se nos elementos acidentais dos negócios jurídicos, como condição, termo e encargo, que podem interferir em sua eficácia. No âmbito da eficácia, distinguem-se os atos jurídicos stricto sensu dos negócios jurídicos.
Nos atos jurídicos stricto sensu, os efeitos são determinados pela própria lei, enquanto nos negócios jurídicos, decorrem da vontade das partes. De modo geral, para que um negócio jurídico seja eficaz, ele deve ser existente, válido e não estar sujeito a impedimentos que possam obstruir sua eficácia. Dessa forma, temos:
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Eficácia Imediata:
O negócio jurídico produz efeitos imediatamente após sua conclusão, sem a necessidade de cumprimento de condições ou termos. Por exemplo, um contrato de compra e venda onde o comprador paga o preço e o vendedor entrega o bem no ato.
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Condição Suspensiva:
O negócio jurídico está sujeito a um evento futuro e incerto que, uma vez ocorrido, faz com que o ato produza seus efeitos. Até que a condição se realize, o negócio permanece ineficaz. Por exemplo, um contrato de doação com a condição de que o donatário se forme em uma universidade.
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Condição Resolutiva:
O negócio jurídico é imediatamente eficaz, mas pode ser extinto se uma condição futura e incerta ocorrer. Por exemplo, um contrato de locação que será rescindido caso o locatário deixe de pagar o aluguel por três meses consecutivos.
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Termo Inicial e Final:
A eficácia do negócio jurídico pode estar limitada por um prazo, tendo um termo inicial (quando começa a produzir efeitos) e/ou um termo final (quando deixa de produzir efeitos). Por exemplo, um contrato de trabalho com início em 1º de janeiro e término em 31 de dezembro.
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Capacidade dos Sujeitos:
A eficácia também pode depender da manutenção da capacidade jurídica das partes envolvidas ao longo do tempo em que os efeitos do negócio jurídico devam se manifestar.
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Obstáculos Legais ou Judiciais:
Eventuais impedimentos legais ou judiciais, como uma decisão judicial ou uma norma superveniente, podem afetar a eficácia de um negócio jurídico, mesmo que ele seja existente e válido.
Quanto aos defeitos do negócio jurídico, estes podem se manifestar de diversas formas. Em alguns casos, originam-se no próprio processo mental da vontade; em outros, aparecem na declaração dessa vontade. Há situações em que os defeitos consistem na formulação de uma declaração que o agente não teria feito ou que teria expressado de maneira diferente.
Além disso, o defeito compromete os efeitos que se pretendia alcançar com o negócio jurídico, influenciando se a declaração de vontade corresponde ao que o agente realmente desejava. No entanto, não se deve confundir os vícios do negócio jurídico com os vícios redibitórios, que afetam o próprio objeto de uma disposição patrimonial e impactam diretamente o plano de eficácia do contrato.
Curiosidade
O Código Civil de 2002, assim como o de 1916, diferencia os defeitos do negócio jurídico que decorrem do consentimento (vontade) daqueles que derivam de vícios sociais. Assim, os vícios da vontade são passíveis de anulação e incluem erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo. Já a fraude contra credores pode ser anulada, enquanto a simulação acarreta a nulidade do negócio.
Erro ou ignorância resulta de uma percepção equivocada ou da total ausência de conhecimento sobre a pessoa, o objeto ou o próprio negócio praticado. Embora a lei não estabeleça uma distinção expressa, o erro é um estado de espírito positivo, caracterizado pela falsa percepção da realidade, enquanto a ignorância representa um estado de espírito negativo, marcado pelo desconhecimento total do declarante acerca das circunstâncias do negócio. Contudo, nem todo erro leva à invalidade do negócio jurídico, sendo possível sua anulação apenas em determinadas circunstâncias.
O erro substancial ocorre quando incide sobre a essência do ato praticado, de modo que, se o agente tivesse conhecimento da verdadeira realidade, não teria realizado o negócio. Um exemplo seria o caso de um colecionador que, desejando adquirir uma estátua de marfim, compra, por engano, uma peça feita de material sintético. O Código Civil enumera, portanto, as hipóteses de erro substancial:
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Natureza Jurídica do Negócio:
É o caso de querer doar, mas, por erro, acaba declarando a vontade de vender, ou pode estar querendo vender e declarar a vontade de doar.
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Objeto Principal da Declaração de Vontade:
Quando a parte acredita que está adquirindo um bem com determinadas características essenciais, mas, na realidade, ele não possui tais atributos. Um exemplo seria alguém que, ao visitar uma galeria de arte, compra um quadro acreditando que foi pintado por Monet, quando, na verdade, não o é. Se soubesse da verdadeira autoria, não teria manifestado sua vontade de comprar ou, pelo menos, não o faria pelo valor estabelecido.
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Qualidades Essenciais do Objeto:
Pretender comprar um anel de prata e adquirir um anel de latão.
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Identidade ou Qualidade da Pessoa Humana:
Homônimo.
Já o erro de direito pode ser tanto um erro de fato (relacionado à pessoa, figura negocial, substância, qualidade ou quantidade) quanto um erro jurídico, quando o agente acredita estar agindo conforme o ordenamento jurídico, mas, na realidade, não está. No erro de direito, o agente compreende corretamente os fatos, porém se equivoca na interpretação ou no alcance da norma jurídica. Como regra geral, o erro de direito nunca autorizou a invalidação do negócio jurídico, pois contraria o princípio de que ninguém pode alegar desconhecimento da lei.
O erro real é aquele que efetivamente causa prejuízo, pois sem prejuízo não há dano. Já o erro escusável é justificável e seria cometido por qualquer pessoa em circunstâncias semelhantes, ao contrário do erro grosseiro, que decorre de negligência ou falta de diligência mínima. O erro perceptível ocorre quando a outra parte, ao receber a declaração de vontade, pode identificar o equívoco. Como aplicação da teoria da autorresponsabilidade, visando proteger a segurança jurídica dos negócios, se o erro não poderia ter sido percebido pelo destinatário da declaração, não há fundamento para anular o negócio jurídico.
No dolo, o agente não se engana sozinho, mas é induzido ao erro por terceiro. Por isso, costuma-se afirmar que o dolo é um erro provocado. Trata-se de todo artifício malicioso empregado por uma das partes ou por um terceiro com o propósito de prejudicar alguém na celebração do negócio jurídico. Por exemplo, se uma pessoa vende uma caneta de cobre afirmando falsamente ser de ouro, age com dolo, e o negócio poderá ser anulado.
Já a coação é um vício de consentimento no qual a vítima é submetida a uma pressão psicológica que a leva a praticar um negócio jurídico contra sua vontade. O consentimento é viciado pela ameaça ou constrangimento, pois a pessoa não desejava declarar ou realizar aquele negócio. A coação que causa a anulabilidade do negócio jurídico é a coação moral ou psicológica. Para parte da doutrina, a violência física resulta na nulidade absoluta do negócio, pois há supressão total da vontade.
A anulação do negócio jurídico fundada na coação deve atender a alguns requisitos:
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Prova da Coação:
A parte que alega ter sido coagida deve apresentar provas suficientes que demonstrem a existência e a gravidade da coação. Isso pode incluir testemunhas, documentos ou outros meios de prova que mostrem a ameaça ou pressão exercida.
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Temporalidade:
A ação de anulação deve ser proposta dentro do prazo legal estabelecido pelo Código Civil. Para casos de coação, o prazo é de quatro anos, contados a partir do momento em que a coação cessou.
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Intensidade da Coação:
A coação deve ser de tal intensidade que incuta na vítima um temor justificado de um mal grave e iminente. Isso significa que a ameaça deve ser suficiente para influenciar a vontade do agente de maneira determinante.
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Ilicitude da Ameaça:
A ameaça ou pressão deve ser considerada ilícita, ou seja, contrária à lei ou aos bons costumes. Não se considera coação a ameaça de exercer um direito, a menos que haja abuso evidente deste direito.
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Vínculo Causal:
Deve haver uma relação de causa e efeito entre a coação e a realização do negócio jurídico. Ou seja, a coação deve ter sido a razão determinante para que a parte coagida celebrasse o negócio.
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Imediatidade da Contestação:
A parte que sofreu a coação deve demonstrar que contestou o negócio jurídico assim que possível, após a cessação da coação. A inércia ou demora injustificada em buscar a anulação pode ser interpretada como aceitação tácita.
A lesão, por sua vez, caracteriza-se pelo prejuízo decorrente da desproporção entre as prestações do negócio jurídico, em razão do abuso, da necessidade econômica ou da inexperiência de uma das partes. Esse mecanismo jurídico busca evitar que relações jurídicas já se iniciem excessivamente desequilibradas, ou seja, pretende prevenir desequilíbrios congênitos nas relações contratuais.
Todavia, a lesão não se confunde com a aplicação da teoria da imprevisão. Esta última, fundamentada na cláusula rebus sic stantibus, aplica-se quando eventos novos, imprevisíveis e não imputáveis às partes afetam a economia ou a execução do contrato, autorizando sua resolução ou revisão para ajustá-lo às novas circunstâncias. A lesão é um vício que surge simultaneamente com o negócio, enquanto a teoria da imprevisão pressupõe um contrato inicialmente válido (contrato comutativo de execução continuada ou diferida), cujo equilíbrio é rompido por um evento superveniente imprevisível.
O estado de necessidade é um instituto do direito penal, salvo quando decorre de risco à pessoa, caso em que configura estado de perigo, e não estado de necessidade. Ele se verifica quando uma das partes impõe uma condição excessivamente onerosa ao outro contratante, que, diante da iminência de um dano, não tem alternativa senão aceitar os termos impostos. Trata-se, portanto, de uma hipótese especial de inexigibilidade de conduta diversa.
Já o estado de perigo ocorre quando o agente assume uma obrigação excessivamente onerosa diante de uma situação de risco iminente, fato conhecido pela outra parte. Trata-se de uma inovação introduzida pelo Código Civil de 2002 em relação à legislação anterior.
É uma causa de anulação do negócio jurídico, embora em outros ordenamentos não seja tratada dessa forma. Apresenta semelhança com a coação, pois o sujeito, submetido à ameaça de um dano iminente, acaba celebrando um negócio em condições extremamente desfavoráveis para solucionar a situação.
Importante
Embora o Código Civil de 2002 não tenha estabelecido, para o estado de perigo, uma regra semelhante à prevista para a lesão – que autoriza a não decretação da anulabilidade caso a parte favorecida concorde em reduzir seu benefício –, há entendimento doutrinário no sentido de que essa possibilidade pode ser aplicada ao estado de perigo. Assim, as partes poderiam ajustar o contrato, preservando a validade do negócio jurídico.
A fraude contra credores é um defeito do negócio jurídico que consiste na prática de atos de disposição patrimonial pelo devedor com o objetivo de prejudicar seus credores, seja reduzindo, seja esvaziando completamente seu patrimônio. Trata-se, portanto, de um vício social, e não de consentimento, pois a parte declara exatamente a vontade que deseja manifestar, sem ocultação dos efeitos jurídicos ou disfarce. Diante disso, é pertinente destacar alguns requisitos:
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Dívida Preexistente:
Deve haver uma dívida já existente no momento da prática do ato fraudulento. A fraude contra credores não pode ser alegada se a dívida foi contraída após a prática do ato.
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Eventus Damni (Prejuízo):
O ato praticado pelo devedor deve causar um efetivo prejuízo aos credores, ou seja, deve haver uma redução do patrimônio do devedor, tornando insuficiente a satisfação das dívidas.
-
Consilium Fraudis (Intenção Fraudulenta):
Deve haver a intenção do devedor de prejudicar seus credores. A fraude ocorre quando o devedor, deliberadamente, realiza atos para frustrar o pagamento das suas obrigações.
-
Conhecimento da Situação de Insolvência pelo Terceiro:
Se a fraude envolver a participação de um terceiro (por exemplo, comprador de um bem alienado), este terceiro deve estar ciente da situação de insolvência do devedor para que a fraude seja configurada.
A fraude contra credores permite que sejam anulados atos fraudulentos e que se recuperem bens alienados ou doados de forma fraudulenta. Para isso, utiliza-se a ação pauliana, que possui um prazo decadencial de quatro anos, contado a partir da celebração do negócio fraudulento.
A jurisprudência tem admitido a desconsideração da personalidade jurídica como meio de atingir o patrimônio particular do sócio, quando necessário para afastar a fraude contra credores. Além disso, é fundamental destacar as diferenças entre fraude contra credores e fraude à execução:
FRAUDE CONTRA CREDORES |
É um instituto de direito material, não há processo judicial em andamento |
Fraude no crédito, prejudicando o credor |
Ato ANULÁVEL |
Não tem reflexos penais |
Exige ação autônoma e específica (ação pauliana) |
FRAUDE À EXECUÇÃO |
É instituto de direito processual, há processo judicial em andamento |
Fraude na atividade da jurisdição, em prejuízo do Estado e do credor |
Ato INEFICAZ |
Pode ter efeitos penais |
Declarável incidentalmente (no curso do processo) |
Quadro 1: Fraude contra credores e fraude à execução. Fonte: Elaborado pela autora.
No tocante à invalidade do negócio jurídico, temos as hipóteses de nulidade (artigos 166 e 167) e as de anulabilidade (art. 171). Conforme a gravidade do vício, o ordenamento jurídico estabelece uma gradação das sanções, aplicando punições mais severas em determinados casos e mais brandas em outros. Essa diferenciação ocorre porque, em certas situações, o interesse tutelado é predominantemente social, enquanto, em outras, envolve mais diretamente as partes envolvidas no ato jurídico.
Figura 7: Negócio Jurídico. Fonte: Elaborada pela autora.
Nesse sentido, a nulidade ocorre quando há violação ao interesse público, cuja proteção é de interesse geral, enquanto a anulabilidade é menos grave, pois compromete apenas interesses particulares.
O ato é nulo, em regra, quando viola um dos requisitos de validade estabelecidos no artigo 104 do Código Civil:
- Agente capaz;
- Objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
- Forma prescrita ou não proibida por lei.
As causas de nulidade absoluta do negócio jurídico estão previstas no artigo 166 do Código Civil e incluem:
- Celebração por pessoa absolutamente incapaz;
- Objeto ilícito, impossível ou indeterminável;
- Motivo ilícito;
- Ausência da forma prescrita em lei;
- Preterição de solenidade essencial à validade do ato;
- Objetivo de fraudar lei imperativa;
- Simulação absoluta (artigo 167);
- Declaração expressa da lei de que o ato é nulo ou proibição da prática sem cominação de sanção.
O ato nulo não pode ser convalidado, ou seja, não admite confirmação e não se regulariza pelo decurso do tempo, razão pela qual não prescreve. Assim, as características fundamentais da nulidade do negócio jurídico são:
- Opera-se de pleno direito;
- Pode ser invocada por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público;
- Não admite convalidação;
- É imprescritível;
- Pode ser conhecida de ex officio (sem provocação) pelo juiz.
A anulabilidade relativa é considerada uma imperfeição menos grave que a nulidade absoluta, pois, via de regra, afeta apenas interesses privados. O ato se forma e produz efeitos normalmente até que um interessado se manifeste pela sua desconstituição. Como reflete a esfera privada, o ato anulável admite convalidação, que pode ocorrer de forma expressa ou tácita.
No ato anulável, seus efeitos regulares persistem até que haja uma decisão constitutiva negativa (desconstitutiva), reconhecida por meio de ação anulatória. A eventual proteção de terceiros de boa-fé diante dos efeitos da anulação não impede o reconhecimento da invalidade.
Os efeitos da decisão são ex tunc (retroativos), pois, conforme disposto no artigo 182 do Código Civil, aplica-se a mesma regra prevista para a nulidade absoluta. O artigo 171 estabelece que, além dos casos expressamente previstos em lei, o negócio jurídico será anulável:
- Por incapacidade relativa do agente;
- Por vício decorrente de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
As principais características da anulabilidade são:
- O negócio existe e gera efeitos concretos até que sobrevenha a declaração de invalidação.
- Somente a pessoa juridicamente interessada pode promover a anulação do negócio.
- Admite-se ratificação (convalidação).
- Submete-se a prazos decadenciais.
- O juiz não pode reconhecer a anulabilidade de ofício, nem o Ministério Público pode suscitá-la.
Figura 8: Invalidade. Fonte Elaborada pela autora.
Sendo assim, o negócio jurídico representa um meio de exercício da autonomia privada, permitindo que os indivíduos tenham liberdade para decidir sobre seus próprios interesses, desde que respeitem os limites legais.
Neste tema, estudamos o negócio jurídico e seus elementos caracterizadores. Trata-se de um ato praticado pela vontade das partes com a intenção de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Sua análise ocorre em três planos distintos: existência, validade e eficácia.
No plano da existência, são verificados os elementos essenciais para a formação do negócio jurídico, como a capacidade do agente, o objeto lícito e a forma prescrita em lei. No plano da validade, analisa-se a conformidade do negócio jurídico com as normas legais, considerando-se requisitos como a capacidade plena dos agentes, a licitude do objeto e a ausência de vícios do consentimento. Já no plano da eficácia, verifica-se se o negócio jurídico produz os efeitos desejados, levando em conta eventuais condições, termos e obstáculos legais.
Caso um negócio jurídico apresente vícios insanáveis, ele é considerado nulo, ou seja, inexistente desde o início e sem produzir efeitos jurídicos. Por outro lado, se os vícios forem sanáveis, o negócio será anulável, permanecendo válido até que seja judicialmente anulado a pedido da parte interessada. A distinção entre nulidade e anulabilidade é essencial para a correta compreensão da validade dos atos jurídicos e suas consequências.
Portanto, o negócio jurídico é o instrumento pelo qual as pessoas manifestam sua vontade para criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Ele proporciona segurança jurídica, permitindo que as partes envolvidas saibam exatamente quais são seus direitos e deveres e como suas relações serão reguladas. Essa segurança é fundamental para a estabilidade das relações sociais e econômicas, viabilizando contratos, transferências de propriedade, doações, testamentos, entre outros atos essenciais à vida civil.
Tema 3 - Prescrição e Decadência
Neste tema, iremos trabalhar os institutos da prescrição e da decadência. Ambos possuem o caráter de estabilização das relações jurídicas e sociais, em respeito aos princípios e garantias constitucionais. Assim, quando aplicáveis, o fator tempo condiciona o exercício da pretensão (prescrição) ou o gozo do próprio direito por ele atingido (decadência). Dessa forma, consagra-se a máxima jurídica que estabelece que o exercício de um direito não pode permanecer indefinidamente pendente. O titular de um direito deve exercê-lo dentro de um prazo determinado, pois "o direito não socorre aos que dormem".
Ademais, pode-se afirmar que a prescrição e a decadência se fundamentam na boa-fé do próprio legislador e na penalização daquele que é negligente com seus direitos e pretensões. O Código Civil em vigor trata os conceitos de forma diferenciada: a prescrição está prevista nos artigos 189 a 206, enquanto a decadência é regulamentada nos artigos 207 a 211.
Os prazos de prescrição estão concentrados nos artigos 205 e 206 do Código Civil. Os demais prazos, encontrados em outros dispositivos, são, em regra, decadenciais. Além disso, observa-se que os prazos de prescrição são sempre contados em anos, enquanto os de decadência podem ser em dias, meses, ano e dia ou também em anos. Assim, se um prazo for estipulado em unidades de tempo diferentes de anos, ele será, certamente, decadencial.
Prescrição
A prescrição consiste em uma sanção decorrente da inércia do titular de um direito subjetivo, impedindo-o de exigir a satisfação de sua pretensão. Sua causa eficiente é a inércia do titular da ação, e seu fator operante é o tempo. No Direito Romano, a prescrição fundamentava-se na necessidade de fixar relações jurídicas incertas, punir a negligência e atender ao interesse público.
O objeto da prescrição é a ação, e não o direito subjetivo, ainda que este também sofra seus efeitos, pois, ao extinguir-se a possibilidade de ação, esvazia-se o direito que a fundamentava.
Figura 9: A prescrição. Fonte: Envato.
Assim, a prescrição atinge apenas direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis, não afetando direitos personalíssimos, de estado ou de família, que são irrenunciáveis e indisponíveis.
As normas sobre prescrição são de ordem pública e podem ser alegadas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (artigo 193). No entanto, o réu deve suscitá-la na primeira oportunidade que tiver (artigo 278 do CPC/2015), sob pena de arcar com as despesas supervenientes.
Importante
Evidentemente, a prescrição não pode ser alegada pela primeira vez em sede Recurso Especial ou Extraordinário, pois implica a inovação da lide, sem cumprir, portanto, o requisito do prequestionamento. O STJ confirmou que mesmo as matérias de ordem pública precisam ser prequestionadas.
Não obstante, como as relações jurídicas por ela reguladas são de ordem privada, esse fato lhe empresta também um caráter privado, conferindo-lhe uma natureza híbrida. Dessa forma, surgem fenômenos virtualmente antagônicos. Em que pese a norma pública sempre ter efeito retroativo, a prescrição em curso fica sujeita às alterações da nova lei, ao passo que a norma privada pode, uma vez consumada, ser renunciada pelo prescribente.
Logo, a obrigação jurídica prescrita converte-se em obrigação natural, que é aquela que não confere o direito de exigir seu cumprimento, mas, se cumprida espontaneamente, autoriza a retenção do que foi pago. Assim, tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis, não afetando, por isso, direitos sem conteúdo patrimonial direto, como os direitos personalíssimos, de estado ou de família, que são irrenunciáveis e indisponíveis.
No entanto, as relações jurídicas afetadas pela prescrição são objeto necessário de ações condenatórias, que visam compelir o obrigado a cumprir a prestação ou sancioná-lo na hipótese de inadimplemento. É o caso das ações de cobrança, de execução ou de reparação de danos.
Exemplo
Relaciona-se a prescrição com os direitos subjetivos patrimoniais, em face da possibilidade de sua violação. Não se olvide que os direitos subjetivos extrapatrimoniais, como a honra e a privacidade, são imprescritíveis, não havendo prazo para que sejam exigidos. Ilustrativamente, não há prazo para se requerer a cessação de uma violação à privacidade de alguém, mas há um prazo para pleitear uma reparação pecuniária pelo dano sofrido. Nessa perspectiva, a prescrição surge para delimitar um lapso temporal, permitindo o exercício das pretensões decorrentes da titularidade de determinados direitos subjetivos patrimoniais pelo respectivo titular.
Desse modo, reconhece-se que a prescrição não extingue o direito subjetivo nem sua pretensão, mas apenas paralisa a eficácia dessa pretensão. Assim, se alguém cujo direito subjetivo patrimonial foi violado não o exercer dentro do prazo legal, não perderá o direito de ação, ou seja, o poder de acionar o Estado-Juiz, mas sofrerá a neutralização da pretensão. Importa destacar que a prescrição não atinge o direito subjetivo em si. Dessa forma, o devedor poderá, se desejar, honrar voluntariamente sua obrigação.
O direito subjetivo, portanto, mantém-se íntegro. Apenas ocorre a neutralização da pretensão reconhecida ao titular desse direito subjetivo patrimonial. Assim sendo, a prescrição não extingue o direito subjetivo nem a pretensão, mas apenas a neutraliza, sem destruí-la. Nesse contexto, percebe-se que, ao se esgotar o prazo prescricional previsto em lei, o direito de fundo persiste, porém o seu titular não mais poderá exigir seu cumprimento, pois a pretensão restou neutralizada.
Ademais, a prescrição com os direitos subjetivos patrimoniais, em face da análise estrutural do fenômeno da prescrição permite identificar os requisitos essenciais que fundamentam esse instituto: a existência de um direito subjetivo alegável pelo titular, a violação desse direito, a inércia do titular da ação por um determinado lapso temporal e a ausência de algum ato ou fato que cause impedimento, interrupção ou suspensão do curso prescricional.
Destarte, a correlação entre prescrição e direitos subjetivos patrimoniais evidencia sua natureza de ordem privada, possibilitando a renúncia. A renúncia à prescrição implica, na prática, a abdicação de um benefício patrimonial por parte do devedor e um acréscimo patrimonial para o credor. Ou seja, uma vez consumada a prescrição, o devedor vê seu patrimônio preservado, mas, ao renunciar à prescrição, ele abre mão dessa vantagem econômica anteriormente adquirida.
Por esse motivo, a renúncia à prescrição exige a inexistência de prejuízo a terceiros, sob pena de fraude, e a plena capacidade do renunciante. Assim, a irretratabilidade e irrevogabilidade da renúncia decorrem de sua natureza de ato jurídico em sentido estrito, cujos efeitos resultam de previsão legal. Além disso, sendo um ato de renúncia patrimonial, sua interpretação deve ser restritiva, sem admissibilidade de ampliação.
Nessa lógica, é importante frisar que a renúncia à prescrição pode ser expressa ou tácita. A renúncia expressa decorre da manifestação de vontade do beneficiário da prescrição, ou seja, o devedor. Um exemplo ocorre quando o réu, em um processo, peticiona informando que pagará a dívida, embora esta já esteja prescrita. Por outro lado, a renúncia tácita se configura quando o beneficiário pratica atos incompatíveis com a intenção de se valer da prescrição, como o pagamento espontâneo de uma dívida prescrita.
Importante
É essencial destacar que os institutos da perempção e da preclusão não se confundem com a prescrição. A preclusão, de natureza processual, consiste na perda de uma faculdade processual pelo não exercício no momento apropriado. Dessa forma, impede que questões já decididas dentro da mesma ação sejam renovadas, produzindo efeitos apenas dentro do processo em que ocorrem. Já a perempção, também de natureza processual, representa a perda do direito de ação pelo autor contumaz, ou seja, aquele que deu causa a três arquivamentos sucessivos. No entanto, a perempção não extingue o direito material nem a pretensão, tornando-se oponível apenas como defesa.
No que concerne às espécies de prescrição, distinguem-se a prescrição extintiva e a aquisitiva. O Código Civil brasileiro regulamenta a prescrição extintiva na parte geral, enquanto a prescrição aquisitiva está situada na seção referente aos modos de aquisição do domínio. A prescrição extintiva, conhecida simplesmente como prescrição, refere-se à extinção da pretensão, ou seja, do direito de exigir judicialmente o cumprimento de uma obrigação devido ao decurso do prazo estabelecido em lei. Esse instituto é fundamental para a garantia da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais, pois delimita o período durante o qual o titular de um direito pode buscar a tutela judicial.
A principal característica da prescrição extintiva é que, após o prazo prescricional, o devedor pode se recusar a cumprir a obrigação, caso invoque a prescrição como defesa em juízo. Esse prazo varia conforme o tipo de direito ou obrigação, sendo fixado por normas específicas no Código Civil. Além disso, a prescrição extintiva pode ser interrompida ou suspensa por determinadas causas previstas em lei. A interrupção faz com que o prazo recomece a contar do zero, enquanto a suspensão apenas paralisa a contagem do tempo durante a ocorrência da causa suspensiva, retomando-se após seu término.
A prescrição aquisitiva, por sua vez, corresponde objetivamente à aquisição do direito real conferida ao possuidor pelo decurso do tempo. Esse tipo de prescrição também é conhecido como usucapião, pois permite a aquisição da propriedade de um bem móvel ou imóvel por meio da posse prolongada e contínua, desde que atendidos certos requisitos estabelecidos em lei. A usucapião fundamenta-se no princípio da função social da propriedade e visa regularizar situações de fato que se consolidaram ao longo do tempo. Existem diferentes modalidades de usucapião, cada uma com requisitos específicos, como a usucapião extraordinária, a usucapião ordinária, a usucapião especial urbana e rural, entre outras.
Em geral, para que a prescrição aquisitiva seja configurada, é necessário que o possuidor exerça a posse de forma mansa, pacífica, contínua e com ânimo de dono durante um determinado período de tempo. Nesse sentido, por exemplo, na usucapião extraordinária de imóvel, exige-se um período de 15 anos de posse ininterrupta e sem oposição. Já na usucapião ordinária, esse prazo é reduzido para 10 anos, desde que o possuidor tenha justo título e boa-fé. Portanto, a prescrição aquisitiva busca reconhecer e proteger situações consolidadas pelo tempo, assegurando a estabilidade e a regularização fundiária, sendo um importante mecanismo para a efetivação do direito à moradia e da função social da propriedade.
Figura 10: Prescrição e decadência. Fonte: Elaborada pela autora.
No tocante ao fluxo do prazo prescricional, o art. 199 do Código Civil estabelece que a prescrição não flui enquanto houver condição suspensiva (elemento acidental do negócio jurídico que impede a produção dos seus efeitos até que ocorra um evento futuro e incerto), nem quando o prazo ainda não estiver vencido e houver pendência de evicção. Assim, esse artigo consagra o princípio da actio nata, segundo o qual o prazo prescricional somente começa a fluir com o nascimento da pretensão.
Da violação do direito nasce a pretensão, que, por sua vez, dá origem à ação. Nessa perspectiva, a pretensão é o poder do titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento de uma obrigação, a emissão de uma declaração ou a prática de determinada conduta, de forma coercitiva.
Com a publicação da Lei 11.280/2006, que introduziu o parágrafo 5º no CPC de 1973, estabeleceu-se que o juiz deve pronunciar, de ofício, a prescrição. Assim, houve a revogação do art. 194 do Código Civil, tornando-se dever do juiz reconhecer a prescrição, salvo se houver renúncia expressa ou tácita.
Contudo, há quem sustente que, por referir-se a direitos subjetivos patrimoniais, a prescrição não deveria ser reconhecida de ofício pelo juiz. O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 487, II, previu que há resolução de mérito quando se decide, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de prescrição ou decadência.
Ainda sobre a pretensão, parte da doutrina alerta para a existência de modalidades que não decorrem de violação de direito, como ocorre nos direitos reais, em que o titular do domínio possui a pretensão de abstenção por parte de terceiros quanto ao exercício dos poderes que ele exerce sobre a coisa. Caso essa pretensão seja violada, surgem outras pretensões (reparatória e possessória-petitória).
Curiosidade
Segundo o enunciado da 14ª Jornada de Direito Civil, o prazo prescricional tem início com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo. Trata-se do princípio da actio nata, segundo o qual a contagem do prazo prescricional só se inicia a partir do efetivo conhecimento do ato que viola um direito subjetivo. A jurisprudência consolidou essa tese ao estabelecer que o prazo prescricional não começa a fluir com a simples violação do direito, mas sim com o conhecimento da violação ou lesão pelo respectivo titular. Essa regra aplica-se, inclusive, aos prazos decadenciais.
Assim, o prazo prescricional pode ser reduzido ou ampliado por lei superveniente ou até mesmo convertido em prazo decadencial, uma vez que a prescrição em curso não gera direito adquirido. No entanto, há vedação expressa à ampliação ou redução do prazo prescricional por vontade das partes, conforme dispõe o artigo 192 do Código Civil: “Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.”
Ademais, o fluxo prescricional pode ser afetado pelos fenômenos do impedimento, da suspensão e da interrupção do prazo prescricional. Assim, temos:
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Impedimento:
Ocorre quando existem circunstâncias que impedem o início da contagem do prazo prescricional. Nesses casos, o prazo não começa a correr até que a situação que causa o impedimento deixe de existir. Um exemplo seria a menoridade: enquanto a pessoa é menor de idade, o prazo prescricional para certas ações não começa a contar.
-
Causas Suspensivas:
Ocorre quando o prazo prescricional já começou a correr, mas uma circunstância específica suspende essa contagem temporariamente. Durante o período de suspensão, o prazo fica congelado e só volta a contar quando a causa da suspensão termina. Por exemplo, durante uma negociação entre as partes, o prazo prescricional pode ser suspenso para permitir que as partes tentem resolver a questão de forma amigável.
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Interrupção:
Este fenômeno faz com que o prazo prescricional, uma vez interrompido, recomece do zero. Ou seja, todo o tempo decorrido antes da interrupção é desconsiderado, e o prazo recomeça a contar do início. A interrupção pode ocorrer, por exemplo, com a citação válida do réu em um processo judicial ou pelo reconhecimento do direito pelo devedor.
A figura da prescrição intercorrente consuma-se no curso de um processo. Logo, se há um processo em andamento, é porque o credor já exerceu a pretensão quanto à prestação a que o devedor se obrigou.
A prescrição intercorrente atinge outra pretensão, distinta da pretensão original, uma vez que esta, que surgiu com o inadimplemento da obrigação, já foi exercida por meio da propositura da demanda.
Portanto, essa nova pretensão só pode ter se originado, por obviedade, após o exercício da pretensão original. Assim, a prescrição intercorrente incide sempre sobre a pretensão executiva e nem sempre está vinculada à inércia do credor.
Decadência
A definição de decadência é pacífica na doutrina. Enquanto a prescrição relaciona-se com o direito subjetivo, a decadência está vinculada à perda ou extinção de um direito potestativo, disponível ou indisponível, em razão da inércia do titular no decorrer do tempo. A decadência, também chamada de “caducidade”, faz perecer o próprio direito, atingindo-o em sua essência.
A decadência está fundamentalmente atrelada aos direitos potestativos. O direito potestativo consiste em uma prerrogativa jurídica que permite ao titular impor unilateralmente uma obrigação a outrem, sem que haja um dever correspondente. Dessa forma, a decadência implica a perda do direito potestativo pelo seu não exercício dentro do prazo fixado pelo legislador ou convencionado pelas partes.
Figura 11: A prerrogativa jurídica de impor a outrem, unilateralmente, a sujeição ao seu exercício. Fonte: Envato.
Nesse sentido, é importante salientar que, não havendo prazo estabelecido em lei para o exercício de determinado direito potestativo, este não estará sujeito à extinção pelo não exercício, não se submetendo à decadência nem tampouco à cláusula geral de prescrição. É fundamental compreender que os prazos decadenciais, em regra, não se interrompem nem se suspendem, ao contrário dos prazos prescricionais. Um exemplo de prazo decadencial é a duração do mandato do Presidente da República, estabelecida no artigo 84 da Constituição Federal de 1988, fixada em quatro anos.
Portanto, a decadência não admite a possibilidade de renúncia quando o prazo for fixado em lei (art. 209 do Código Civil). Além disso, se o prazo decadencial estiver previsto em lei, o juiz deve reconhecê-lo de ofício (art. 210). No entanto, o prazo decadencial pode ser estipulado pelas partes em determinados negócios jurídicos e, nesse caso, se fixado em um negócio jurídico entre partes plenamente capazes, é possível a renúncia.
Destaca-se, ainda, que, se o prazo for convencional, a parte beneficiada pode alegá-lo em qualquer grau de jurisdição, mas o magistrado não pode suprir essa alegação (art. 211). Quanto a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo decadencial previsto no artigo 179 do Código Civil — “Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato” – não se inicia na celebração do negócio jurídico, mas a partir da ciência do fato pelos terceiros interessados, conforme o Enunciado 538 do CJF.
No que concerne às espécies de decadência, destacam-se duas modalidades:
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Decadência ex legis/decadência legal:
Advém de expressa previsão de lei, sendo de ordem pública e irrenunciável. Em razão disso, os prazos decadenciais não admitem renúncia e, em regra, não se suspendem ou interrompem. Se o titular do direito não agir dentro desse prazo, perde o direito. Um exemplo é o prazo para impugnação da paternidade, previsto no Código Civil.
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Decadência ex voluntatis/decadência convencional ou contratual:
Possui caráter de ordem privada, originada da previsão das partes em negócio jurídico cos, sendo renunciável (depois de consumada) e não podendo ser conhecida de ofício pelo juiz. Exemplo comum de decadência convencional, de grande importância prática, são os prazos de garantia, estabelecidos em contratos de compra e venda, protegendo o produto ou serviço objeto do negócio.
É possível, inclusive, a incidência, na mesma relação jurídica, de prazos de decadência legal e convencional. Nesse caso, enquanto não transcorrer, integralmente, o lapso temporal da decadência voluntária, não se inicia a decadência legal. Todavia, somente começa a correr a decadência legal quando exaurida a decadência voluntária.
O prazo da decadência não se sujeita a impedimento, suspensão ou interrupção (art. 207), salvo disposição legal em contrário. Contudo, existem duas exceções consagradas:
- não corre prazo decadencial contra o absolutamente incapaz;
- a reclamação apresentada pelo consumidor obsta à decadência.
No que se refere aos critérios distintivos entre prescrição e decadência, destaca-se, notadamente, a premissa de que a prescrição extingue a ação, enquanto a decadência extingue o direito. No entanto, essa regra apresenta falhas, pois o intérprete deve buscar, logicamente, a causa e não o efeito. De fato, a finalidade precípua deve concentrar-se em determinar quando o prazo atinge a ação ou o direito.
O Código Civil adotou uma tese composta pelas seguintes regras:
- somente as ações condenatórias estão sujeitas a prescrição;
- as ações constitutivas, que tem prazo especial de exercício fixado em lei, estão sujeitas a decadência (dá-se como consequência da decadência do direito que tutelam);
- ações declaratórias, bem como as constitutivas para as quais a lei não fixa prazo especial de exercício, são perpétuas ou imprescritíveis.
Das regras estabelecidas, pode-se inferir o seguinte:
Não há ações condenatórias perpétuas (imprescritíveis), nem sujeitas à decadência.
Não há ações constitutivas sujeitas à prescrição.
Não há ações declaratórias sujeitas à prescrição ou decadência.
Se a ação é condenatória, o prazo é de prescrição, se a ação é constitutiva, o prazo é de decadência.
A decadência, ao contrário da prescrição (cujo prazo geral é de 10 anos quando não houver outro prazo fixado), não possui um prazo geral para ser exercida. Nesse sentido, os direitos potestativos cujo exercício não tenha sido submetido a um prazo especial previsto em lei estão sujeitos ao princípio da inexorabilidade (perpetuidade). Dessa forma, os direitos potestativos e, consequentemente, as ações constitutivas, somente se sujeitam a prazos caso haja norma específica para a situação.
Figura 12: Prescrição e decadência. Fonte: Elaborada pela autora.
Por conseguinte, os direitos potestativos subordinados a prazo legal, e não somente a ação respectiva, representam a única classe de direitos com possiblidade de extinção pelo não exercício.
Portanto, neste estudo abordamos os institutos da prescrição e da decadência. De modo objetivo, é essencial compreender que são institutos distintos: a prescrição representa a perda do direito de ação, ou seja, a possibilidade de exigir judicialmente um direito, em razão da inércia do titular por um determinado período de tempo. Como exemplo, se uma pessoa tem o direito de cobrar uma dívida, mas não o faz dentro do prazo legal, ela perde o direito de acionar judicialmente o devedor.
Frise-se que a prescrição pode ser interrompida ou suspensa por determinados atos, como o reconhecimento da dívida pelo devedor ou a citação válida em processo judicial. Além disso, seus prazos variam conforme a natureza do direito, sendo estabelecidos no Código Civil.
Por outro lado, a decadência corresponde à extinção do próprio direito material, devido à inércia do titular em exercê-lo dentro de um prazo fixado por lei. Como exemplo, uma pessoa pode ter o direito de anular um contrato por vício de consentimento, mas, se não o fizer dentro do prazo decadencial, perde definitivamente esse direito. Assim, a decadência não admite interrupção ou suspensão.
Afinal, uma vez decorrido o prazo, o direito se extingue de forma definitiva. Além disso, os prazos decadenciais são fixados por lei e, consequentemente, não podem ser alterados pelas partes.
Além da Sala de Aula
Como forma de aprofundar os conceitos e elementos, realize a leitura do capítulo “Teoria geral do negócio” seguindo até o capítulo “Teoria das nulidades”, na obra de Flávio Tartuce.
Todos esses pontos são tratados por Flávio Tartuce (2024); por isso, faça a leitura da página 220 a 292 do livro Manual de Direito Civil, disponível na Minha Biblioteca.
Lembre-se de que, para iniciar a leitura do livro sinalizado, é necessário fazer login no Ambiente Virtual de Aprendizagem e, em seguida, na Minha Biblioteca.
Título do livro/artigo: Manual de Direito Civil: Volume Único
Páginas indicadas: 220 a 292
Referência: TARTUCE, F. Manual de Direito Civil: volume único. 14. ed. Rio de Janeiro: Método, 2024.
Trazendo o segundo viés, esta indicação de leitura busca trabalhar especificamente os institutos da prescrição e da decadência. Por se tratar de um tema que frequentemente gera controvérsias quanto à sua aplicação e que, muitas vezes, é correlacionado de forma equivocada, o objetivo principal é compreender de forma clara os conceitos e as especificidades de cada instituto.
A obra de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona dedica um capítulo à prescrição e à decadência, detalhando seus conceitos e os elementos caracterizadores de ambos os institutos.
Todos esses pontos são tratados por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2023); por isso, faça a leitura da página 85 a 93 do livro Manual de Direito Civil, disponível na Minha Biblioteca.
Lembre-se de que, para iniciar a leitura do livro sinalizado, é necessário fazer login no Ambiente Virtual de Aprendizagem e, em seguida, na Minha Biblioteca.
Título do livro/artigo: Manual de Direito Civil: Volume Único
Páginas indicadas: 85 a 93
Referência: GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Manual de Direito Civil: volume único. 7. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023.
Negócio Jurídico com Defeito
Neste estudo de caso, iremos analisar uma situação em que se configura um negócio jurídico com defeito. Nesse contexto, negócios jurídicos com defeito são aqueles que apresentam algum vício que compromete sua validade ou eficácia. Esses vícios podem ser de diversas naturezas, como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Quando um negócio jurídico é considerado defeituoso, ele pode ser anulado ou declarado nulo, dependendo da gravidade do vício. A anulação tem efeitos retroativos, ou seja, as partes devem retornar ao estado anterior ao negócio. Além disso, a parte prejudicada pode ter direito à indenização pelos danos sofridos.
Considere a seguinte situação: Pedro, um empresário, decidiu vender sua empresa para João. Durante as negociações, Pedro omitiu informações cruciais sobre dívidas significativas que a empresa possuía. João, confiando nas informações fornecidas por Pedro, assinou o contrato de compra e venda.
Após a conclusão do negócio, João descobriu as dívidas ocultas e percebeu que foi induzido a erro (quando uma das partes tem uma falsa percepção da realidade ao celebrar o negócio). Ele entrou com uma ação judicial para anular o contrato, alegando que o negócio jurídico estava viciado por dolo (quando uma das partes é induzida a celebrar o negócio por meio de artifícios ou manobras enganosas). O tribunal, ao analisar o caso, concluiu que houve um vício de consentimento, pois João não teria assinado o contrato se soubesse das dívidas. Assim, o contrato foi anulado, e Pedro foi condenado a restituir o valor pago por João, além de indenizá-lo pelos prejuízos sofridos.
Como consequência da situação, o contrato de compra e venda foi anulado, retornando as partes ao estado anterior ao negócio. Por conseguinte, Pedro foi obrigado a restituir o valor pago por João e a indenizá-lo pelos prejuízos decorrentes do negócio viciado. O caso serviu como precedente para futuras ações envolvendo negócios jurídicos com defeito, reforçando a importância da boa-fé e da transparência nas negociações.
Assim, esse caso prático ilustra como um negócio jurídico com defeito pode ser tratado no direito civil, garantindo a proteção dos direitos das partes envolvidas e promovendo a justiça.
Questionamentos para reflexão:
- Quais medidas podem ser adotadas para prevenir a ocorrência de vícios em negócios jurídicos?
- Qual é a importância da boa-fé nas negociações e como a omissão intencional de informações pode afetar a confiança entre as partes?
- Além da anulação do contrato, quais outras formas de reparação podem ser consideradas justas e adequadas para a parte prejudicada?
- Como a jurisprudência tem evoluído em relação aos negócios jurídicos com defeito?
- Quais são os direitos e deveres das partes envolvidas em um negócio jurídico com defeito?
Assista às videoaulas a seguir, que têm como objetivo reforçar os conteúdos abordados nesta unidade de maneira didática para embasar os conceitos e teorias trabalhados. Esperamos que contribuam significativamente para seu aprendizado e que a busca pelo conhecimento não se encerre neste percurso de aprendizagem.
Neste infográfico, abordaremos as dimensões do negócio jurídico. Nesse sentido, é possível apontar a seguinte tricotomia: existência, validade e eficácia. Embora esses termos sejam frequentemente empregados como sinônimos, é fundamental distinguir seus significados, dada sua autonomia, não sendo adequado tratá-los de forma idêntica.
Com isso, tem-se os planos da existência (representação no mundo jurídico), da validade (adequação ao ordenamento jurídico) e da eficácia (produção de efeitos), ressaltando que, no âmbito do negócio jurídico, o plano da existência se destaca como premissa fundamental em relação aos demais.

Nesta unidade, analisamos atos, fatos e negócios jurídicos. Nesse sentido, é fundamental identificar cada instituto, pois eles se diferenciam por suas características e pelos efeitos que produzem. Assim, um ato jurídico é uma manifestação de vontade que visa produzir efeitos jurídicos, como a criação, modificação ou extinção de direitos e obrigações, sendo exemplificado por contratos e testamentos. Já um fato jurídico é qualquer acontecimento que gera consequências legais independentemente da vontade humana, podendo ser um evento natural, como um nascimento ou uma morte, ou uma ação humana, como um acidente de trânsito.
Por sua vez, o negócio jurídico consiste em uma manifestação específica de vontade com o intuito claro de produzir efeitos jurídicos, baseando-se na autonomia das partes envolvidas; exemplos incluem a compra e venda de imóveis e a celebração de um testamento. Enquanto atos e negócios jurídicos dependem da intenção das partes para gerar efeitos, os fatos jurídicos ocorrem independentemente dessa intenção, influenciando automaticamente o mundo jurídico. Portanto, é essencial compreender os conceitos de cada instituto, a fim de identificar suas especificidades sempre que possível.
Por conseguinte, adentramos nos institutos da prescrição e da decadência. De forma direta, deve-se ter em mente que ambos regulam a perda de um direito em razão do decurso do tempo, mas diferem em suas naturezas e aplicações. Todavia, são institutos distintos: a prescrição refere-se à extinção da pretensão de um direito pela inércia do titular em exercê-lo dentro de um determinado prazo legal.
Por outro lado, a decadência envolve a extinção do próprio direito material devido à inércia de seu titular em exercê-lo dentro do prazo estipulado pela lei. Nesse caso, uma vez decorrido o prazo decadencial, o direito em si desaparece, não podendo mais ser exercido ou reclamado. Essa diferenciação é relevante tanto do ponto de vista prático quanto de uma percepção analítica, especialmente em situações que envolvam a temática em questão.
Para sua autorreflexão:
- Caracterizou fato e ato jurídico?
- Especificou os elementos de eficácia do negócio jurídico?
- Diferenciou nulidade e anulabilidade?
- Identificou as diferenças entre prescrição e decadência?
AZEVEDO, Á. V. Curso de direito civil: teoria geral do direito civil, parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2019. v. 1.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 18 dez. 2024.
DINIZ, M. H. Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.
FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Direito civil: teoria geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007.
GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2024. v. 1.
GONÇALVES, C. R. Direito civil 1: esquematizado: parte geral: obrigações e contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
PEREIRA, C. M. da S. Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. I
RODRIGUES, S. Direito civil. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. I.